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Fabio Talhari

Igual a 2008? Ainda não, mas deve ficar por Fabio Talhari

O fechamento do Silicon Valley Bank (Banco do Vale do Silício, conhecido pela sigla SVB) nos EUA é a maior falência de uma instituição bancária desde a Crise de 2008 – o que já foi, aliás, amplamente divulgado pela imprensa, aqui e ao redor do mundo.

No dia 10 de março de 2023, foi divulgada a decisão do Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia, órgão regulador do sistema financeiro naquele Estado, que determinou a liquidação e fechamento do SVB em prazo recorde: 2 dias.

Não é de hoje que muitos economistas, investidores, analistas e operadores de mercados estão antevendo que deve acontecer uma recessão neste ano de 2023. Os sintomas estavam à mostra, mas a maior parte do pessoal dos mercados simplesmente não quis dar ouvidos, ou nem ver, esses sinais – até agora. Essa “tática avestruz”, de enfiar a cabeça na areia diante de perigos é, com certeza, a pior resposta que o sistema como um todo poderia dar, claro. No momento em que a crise que se avizinha se torna inegável, o resultado é o que estamos vendo: um “strike” em ativos e derivativos ao redor do mundo, especialmente nos EUA e na Europa, seguido do conhecido “comportamento de manada”, com vendas desesperadas dos papéis considerados “suspeitos” e compras volumosas de “ativos seguros”, ou meramente considerados seguros.

Isso acontece porque os mercados operam, em grande parte, no overnight, de um dia para outro, ou no intradia (daytrade), curtíssimo prazo. As análises fundamentalistas (de tendências gerais) acabam sendo relegadas a segundo plano diante de análises gráficas, mas estas somente deveriam ser feitas por profissionais com muita experiência e capacidade para serem, realmente, precisas.

Mas como chegamos até esse ponto?

A maior parte da imprensa especializada está culpando o aumento agressivo das taxas de juros básicas nos EUA como o ponto inicial dessa crise, mas, na verdade, o buraco é bem mais embaixo. Seria engraçado, não fosse uma sequência de acontecimentos já vista muitas vezes, ao longo da História da Economia Mundial: a cada vez que o dinheiro se torna mais “caro” (com o aumento das taxas básicas de juros), setores da economia que se encontram mais endividados (alavancados) são derrubados, após haverem crescido de forma exagerada, exuberante, com o dinheiro “barato” dos anos anteriores. Foi assim com o setor imobiliário em 2008 e está sendo assim com o setor de tecnologia e com as criptomoedas em 2023.

Ora, não é segredo para ninguém que o Federal Reserve, na pessoa de seu presidente, Jerome Powell, e vários de seus diretores, miraram no setor de tecnologia e combatem as criptomoedas. Um dos top Fed, Christopher Waller, foi bem assertivo a respeito de criptomoedas, em discurso de 10 de fevereiro deste ano, na Conferência Global sobre criptoativos e moedas digitais:

Para mim, um criptoativo nada mais é do que um ativo especulativo, como uma figurinha de beisebol. Se as pessoas acreditarem que outras comprarão delas no futuro a um preço positivo, elas serão negociadas a um preço positivo hoje. Caso contrário, seu preço cairá para zero. Se as pessoas querem manter tal ativo, então vão em frente. Eu não faria isso, mas também não coleciono figurinhas de beisebol. No entanto, se você comprar criptoativos e o preço deles chegar a zero em algum momento, não se surpreenda e não espere que os contribuintes socializem suas perdas”.

Aliás, consigo imaginar perfeitamente Powell dizendo “Strike!”, diante do caso atual, com um misto de surpresa, perplexidade e até uma certa alegria…

Por fim, nesta introdução, diga-se que essa subida agressiva de juros básicos do Federal Reserve é o amargo remédio que estão usando contra a inflação, resistente e resiliente lá nos EUA, do qual não irão poder abrir mão, ao longo deste ano.

O que se pode apurar da história toda, até o presente momento, é que o SVB era um banco extremamente especializado em tecnologia, em capital de risco e empréstimos para startups. Com a desaceleração percebida nessas empresas (startups) nos últimos meses, já estava havendo uma saída de depósitos.

Mas as coisas ficaram realmente ruins por conta da inversão da curva de juros, nos EUA. O que é isso?

O gráfico de uma curva de juros tem como um dos seus eixos o tempo, ou seja, o comportamento da taxa de juros é apresentado em função do tempo. Este geralmente é o prazo de cada título público (de dívida pública), que varia entre curto, médio e longo prazos. A lógica é que essa curva seja ascendente, isto é, os juros no longo prazo devem ser mais altos que no curto prazo, porque é muito mais difícil prever o que ocorrerá em 10, 20 ou 30 anos do que o que acontecerá em 1 ou 2 meses. Nos prazos mais longos, o risco de crédito é mais alto e, por isso, os juros são também elevados.

Daí a curva de juros ficou assim (em azul, como está agora em 25/3/23, em vermelho como deveria ser, mais ou menos):



Acontece, porém, que o quadro inflacionário nos EUA deve se prolongar por mais um ou dois anos, no máximo. A partir do momento em que a inflação retornar aos níveis esperados pelo Fed, os juros básicos lá deverão começar a cair. Além de 5 anos, ninguém espera que os juros estejam na casa de 5% a.a.., como agora.

E os treasuries de longo prazo não têm procura, não têm demanda, porque os investidores estão procurando ouro ou a moeda líquida para além de 5 anos. É uma crise de confiança imediatista.

Mais ainda: os títulos públicos norte-americanos, os famosos “treasuries”, têm vários prazos, de Bills (4 a 52 semanas) a Notes (2 a 10 anos) e bonds (até 30 anos). No passado, os leilões desses títulos de 10 anos ofereciam remuneração na casa de 0,9% a.a. (em janeiro de 2021), que passaram a 3,985% a.a. em 21 de março deste ano. Aliás, esses Treasuries de 10 anos são tomados como referência, como uma “régua” do apetite ou aversão ao risco de investidores nos mercados, não somente nos EUA, mas no mundo todo.

Outra informação importante: por ser garantido pelo governo da maior economia do mundo, com solidez econômica e institucional histórica, os treasuries de 10 anos são também considerados um ativo com um alto nível de segurança, baixíssimo risco e alta liquidez: por isso, podem compor a poupança financeira de bancos, o capital de referência, de liquidez e de segurança das instituições financeiras, de acordo com Basileia III (acordo financeiro internacional).

Esse foi um “calcanhar de Aquiles” do Silicon Valey Bank: sendo o 16º banco em tamanho nos EUA, não estava sujeito às exigibilidades de liquidez que o Federal Reserve impõe às maiores instituições financeiras. E na composição de seu capital de referência mantinha treasuries de 10 anos antigos, com remuneração de 1,79% a.a. (lembrando que agora pagam 3,985% a.a.). Quando, no começo de março deste ano, o SVB precisou de liquidez, vendeu boa parte desses treasuries (US$ 21 bilhões), com prejuízo de US$ 1,8 bilhões, já que não há demanda por eles nos mercados. Enquanto isso, os clientes sacaram US$ 42 bilhões. Quebrou.

Na sequência, dia 12 de março, quebrou também o Signature bank. Este, tinha tomado uma pancada forte com a implosão da bolsa de criptomoedas FTX, e já estava na marca da cal. Some-se aos casos ora em relato outro banco, que fechou (por decisão própria), o Silvergate Capital Corporation (em 8 de março).

Os holofotes agora estão sobre o First Republic Bank, que tem quase a mesma dimensão do SVB (US$ 212 bilhões em ativos, no fim do ano passado, face a US$ 209 bilhões do Silicon). A Moody’s, a Fitch e a Standard&Poor’s (agências internacionais avaliadoras de risco) rebaixaram a avaliação de crédito do banco (entre 15 e 17 de março), que perdeu o grau de investimento pelas 3. Em resposta, 11 grandes bancos, entre eles JP Morgan, Bank of America, Well’s Fargo, Citigroup e Truist, além do próprio Federal Reserve, fizeram uma “vaquinha”, um “crowfunding” para ajudar e injetaram US$ 70 bilhões, garantia de liquidez do FRB. Contudo, as ações do banco continuaram a despencar: em um ano, -92%.



Além do First Republic Bank, há outros que apresentaram problemas, como o Western Alliance (queda nas ações de -61,48% em 1 ano) e o PacWest (queda de -78,83% em 1 ano).

Pois bem.

Depois de mais de 3 décadas de estudo e atuação nessa área, de ter passado por três grandes crises, uma cambial (em 1999), a do Subprime (2008) e a do Euro (2010), posso dizer: nunca vi uma crise de confiança tão ampla como a que estamos vendo agora.

A inversão da curva de juros nos EUA é, tipicamente, um forte indicador antecedente de períodos recessivos, em um horizonte de quatro a seis trimestres à frente de sua constatação (para mim, ficou evidente em abril de 2022, mas já havia quem a apontasse em novembro de 2021). De acordo com os dados do próprio Federal Reserve, essa inversão da curva de juros precedeu praticamente todas as recessões americanas desde 1950.

Ou seja, este ano deve acontecer uma recessão, é praticamente inevitável, mas fica em aberto o tamanho dela.

O ponto de inflexão já até aconteceu com o Silicon Valley, diga-se. Contudo, o tamanho do SVB corresponde a cerca de 1/3 do banco que, ao quebrar, disparou a crise de 2008 (Lehmann Brother’s). Por conta disso, alguns colegas, analistas e operadores de mercados, bastante “polianas”, comentaram na internet que “o sistema financeiro norte-americano aguenta o golpe”. Bem, na somatória do Silicon Valley (US$ 209 bi), do Signature (US$ 110,4 bi), do Silvergate (US$ 11 bi) – já falidos, do First Republic (US$ 212 bi), do Western Alliance (US$ 67,73 bi) e do PacWest (US$ 41,23 bi), atinge-se o mesmo rombo do Lehmann Brother’s – sem mencionar a ampliação da crise de confiança que haverá quanto mais instituições financeiras quebrarem.

Ou seja: faltam 3 bancos falirem nos EUA para repetir 2008, isso é a bica da caçapa…

Isso, só nos EUA, sem mencionar o que aconteceu na Europa.

O Credit Suisse foi comprado na marra, pela UBS, mas com um calote em títulos de dívida (AT1) da ordem de US$ 17,5 bilhões. Esses títulos de dívida basicamente são debêntures conversíveis em ações do próprio banco. Pela lei (inclusive aqui no Brasil) os debenturistas (detentores de títulos de dívida de uma Sociedade Anônima) resgatam seus créditos antes dos acionistas. Contudo, não foi o que aconteceu no “plano de resgate” do Credit Suisse, aprovado pelo Banco Central da Suíça: a perda foi total para quem tinha títulos AT1, enquanto acionistas ainda podem resgatar o valor de mercado daquelas que detenham (agora, por volta de SFr$ 0,76, que foi o preço de aquisição pela UBS). As ações do Credit Suisse caíram quase -90% em um ano.



Como resultado desse calote, várias consequências estão se desenrolando. Primeiro, uma enxurrada de ações judiciais questionando a medida. Segundo, vendas em “comportamento de manada” desses títulos AT1 de outros bancos, ao redor do mundo todo. O pior é que, pela regulação internacional, os bancos são obrigados a emitir essas debêntures AT1, que funcionam como “amortecedores” se os níveis de capital de um banco caírem abaixo de um determinado limite e fazem parte do “colchão de capital” que os reguladores exigem que os bancos mantenham para enfrentar momentos de turbulência no mercado. São também o tipo de título de dívida mais arriscado que um banco pode emitir e, por isso, pagam os juros mais altos – são títulos de renda fixa, isto é, têm prazo e data de vencimento. Quando, normalmente, são convertidos em ações, propiciam uma capitalização do banco, fornecem liquidez nas bolsas. Terceiro: os preços de oferta dos títulos AT1 do Deutsche Bank, HSBC, UBS e BNP Paribas caíram esta semana, mas elevando os rendimentos acentuadamente, o que abre um “rombo” contábil nessas instituições: os investidores vão querer melhores remunerações para comprarem esses títulos. Por fim, quarto: vários bancos vão aproveitar o precedente e NÃO resgatar esses títulos emitidos, em futuro próximo, com um detalhe cruel: isso pode levar a crise de confiança à Ásia…

E agora, além do Credit Suisse, o Deustche Bank também está sofrendo com a crise de confiança: suas ações estão caindo acentuadamente desde o dia 8 de março (queda de -26,76% em um ano, e de).



Ou seja, a crise é de confiança e é sistêmica, por mais que neguem.

E pode piorar e acontecer um “momento Minsk” (situação em que os alavancados são obrigados a vender seus ativos)?

Com certeza, pode.

Nas últimas reuniões de bancos centrais que decidiram taxas básicas de juros, o Banco Central Europeu os subiu em 0,5 p.p, enquanto o Federal Reserve e o Banco da Inglaterra subiram 0,25 p.p..

Ocorre que o quadro inflacionário, tanto nos EUA quanto na Europa, não deu sinais de arrefecimento sólido – especialmente nos núcleos de preços, que em alguns casos subiram. Outros indicadores econômicos, como do setor imobiliário, do comércio e do mercado de trabalho, dão sinais de que as economias continuam superaquecidas no hemisfério norte.

Pode haver “repiques” das inflações, tanto na Europa quanto nos EUA, e obrigar os bancos centrais de um lado e de outro do Atlântico Norte a serem mais agressivos nas próximas reuniões (nos EUA, em 3 de maio; na Zona do Euro, em 4 de maio e no Reino Unido, 11 de maio). Se houver essa subida agressiva, mais bancos podem quebrar, ou piorar a situação dos que já estão balançando.

De um jeito ou de outro, este vai ser um ano bem duro no Hemisfério Norte. Já as consequências para o Brasil, vou analisar e discutir em um próximo artigo. Até lá!

Drº Fabio Talhari
Advogado
Twitter: @fabio_talhari