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Fabio Talhari

‘O Fim do Romance’, por Fábio Talhari

O FIM DO ROMANCE

Uma das coisas que sempre me deixou entre curioso e irritado nos mercados é a quantidade de “isentões” e, pasmem, petistas que há neles.

Em bancos, corretoras, nas mesas operadoras e empresas do setor, não raro encontro pessoas que, no ano passado, defenderam Lula com unhas e dentes, alguns, ou que adotaram a linha “os dois candidatos são iguais, e eu não gosto de Bolsonaro”, a maioria deles. Com todos eles, sempre tentei argumentar que as “promessas” de campanha de Lula, no sentido de torpedear profundamente os fundamentos econômicos, eram sérias e, nesse caso, todos eles diziam “ele nunca fez isso, não vai começar agora” ou, até, “nunca instalaram um regime socialista no Brasil, não vão fazer isso hoje em dia”.

Algumas respostas dessa turma chegam a ser cômicas, não resistia à tentação e partia para a gozação, mesmo: um deles, petista com pinceladas de anarquista, um dia disse a mim para ler mais, e ler especificamente Pierre-Joseph Proudhon, “O que é a propriedade?”, livro de 1840, no qual o anarquista francês dizia “La propriété, c’est le vol!” (tradução “Toda propriedade é um roubo!”). Mal sabia ele que eu já havia lido a obra (que considero um delírio do começo ao fim): respondi que, logo mais, quando os integrantes de sovietes desocupassem o apartamento onde moram apenas ele e a mulher, mas que tem 3 dormitórios (um é quarto de casal, outro é um escritório, raramente usado, e o terceiro cômodo ficou vazio depois que o filho deles casou), dariam um uso digno para tanto espaço sobrando, que aquilo era um “roubo” pois, ora, havia (e há) mendigos, moradores de rua e usuários de crack nas calçadas diante do prédio onde moram, estes poderiam muito bem ocupar confortável e gratuitamente os cômodos vagos na “propriedade roubada” por ele!

Outro ainda, também petista de carteirinha, discutindo comigo sobre o socialismo, disse-me que “não há mais ninguém socialista no PT, todos são sociais-democratas, hoje em dia”. Naquele momento, há mais de 5 anos, diga-se en passant, não pude deixar de lembrar Olavo de Carvalho (de quem nem sou especial admirador, mas que reconheço como um homem muito inteligente, capaz de vaticínios certeiros) e perguntei ao cidadão: “O Partido Social-Democrata Brasileiro já sabe disso? Aliás, vocês querem mesmo roubar a legenda deles? Isso pode desvendar o ‘teatro das tesouras’, cara…” – por óbvio, ele não achou graça.

Mais recentemente, um outro cidadão com quem converso periodicamente, engenheiro por formação, hoje em dia analista e calculista atuante no mercado de capitais, especificamente, disse-me que “estamos começando a projetar que o atual modelo econômico pode prejudicar muito os mercados”. Na verdade, a conversa versava sobre as comissões que recebem na corretora em que trabalham e que podem minguar drasticamente em futuro próximo, por conta da evasão de clientes. Ora, estes estão vendo que o mar não está para peixe, que a renda variável, que em si só já traz uma dose de risco, vai ficar impraticável diante da insegurança jurídica e econômica que está se desenhando: claro que estão se arrancando para outras opções, especialmente fora do Brasil (a única forma que estão encontrando para ter um pouco de tranquilidade)! Pois, como é dura a realidade quando bate nos bolsos, não?

Pelo meu turno, considero paradoxal, incoerente e contraditória a simples existência desses personagens em um ambiente físico e intelectual que é a quintessência do capitalismo. Mas os há por todos os lados…

De toda forma, uma coisa ficou bastante clara para mim: os “arrependidos” estão brotando feito cogumelos no esterco depois da chuva!

Tenho dito isso nas redes sociais: hoje em dia, as corretoras, bancos e empresas financeiras no setor estão repletos de “marias antonietas” com o discursinho, chororô, na linha d’“a gente não imaginava”, “não sabíamos que seria assim” ou “nunca pensamos que ele fosse fazer isso mesmo” e outras lamentações.

De toda forma, o tema é muito sério!

Vamos analisar primeiro o mercado de capitais.

Quem investe, opera ou analisa a renda variável, os títulos e valores mobiliários, etc., sabe que nesse setor o risco é inerente. Contudo, sabem também que a forma de mitigar esse risco é conhecimento, informações, dados concretos e cálculo. Ainda, temos que esclarecer que risco é diferente de incerteza: o risco é calculável e previsível, a incerteza não. O que estamos vendo acontecer com os fundamentos econômicos, políticos, sociais e jurídicos no Brasil ultrapassou muito os limites do risco e hoje é um cenário de profusas incertezas. No desaguar disso tudo, evidente que o mercado de capitais está se esvaziando.

“Ah, mas existe a renda fixa!”, dizem muitos. Com efeito, a renda fixa nada mais é do que a limitação dos retornos (juros) em títulos e valores mobiliários, dentro de uma amplitude selecionada com base em títulos públicos e privados que representam empréstimos, na ponta inicial: títulos do Tesouro Nacional, Letras de Crédito Imobiliário, Letras de Crédito do Agronegócio, debêntures, etc. Mesmo nesses casos, que aparentemente são mais seguros, o risco de inadimplência e até de insolvência (no setor privado) e até o de moratória (no setor público) está crescendo (mais no primeiro que no segundo, quero crer).

Então vamos analisar o mercado financeiro e a renda fixa.

Vou dar um exemplo bem específico (e hipotético, para evitar questionamentos posteriores) no caso de uma Letra de Crédito do Agronegócio: uma determinada área (antes produtiva) foi ocupada por dezenas de famílias, durante o período da pandemia. Agora, terminado o estado de emergência por causa do Covid-19 naquele município, já havia a ação de reintegração de posse, suspensa, e nela se deu novo pedido por liminar de desocupação imediata: negado! O juízo naquela comarca fundou a negativa na ADPF 828. Nesta o STF determinou a adoção de um “regime de transição” para a retomada da execução de decisões suspensas que inclui, entre outros pontos, a instalação, pelos tribunais, de “comissões” para mediar eventuais despejos antes de qualquer decisão judicial, bem como o estabelecimento de medidas para realocação das famílias (ditas “hipossuficientes”) estabelecidas na área a ser desocupada. Ocorre que a área é de propriedade de empresa rural, que tomou empréstimo há anos (ainda não saldado, sob execução) e cuja operação de crédito compõe uma LCA – ou seja, dentro deste título, intensamente negociado nos mercados, há um “crédito podre”, que muito provavelmente não será pago, já que o objeto social das empresas rurais está sendo inviabilizado. Isso faz lembrar a Crise do Subprime, em 2008, versão tupiniquim!

O mesmo roteiro, em sua linha vertebral, pode estar acontecendo com LCI’s, diga-se oportunamente, já que o direito de propriedade está sendo reescrito pela cúpula do judiciário.

Agora, vamos imaginar as debêntures, bônus, bonds e demais títulos de renda fixa emitidos por empresas como Lojas Americanas, Lojas Marisa, Ambev, etc.: empresas que estão no olho do furacão, hoje em dia: em são consciência, considerando os rombos que estão sendo apurados em umas e a situação contábil de outras, há mesmo quem acredite que serão pagos integralmente e dentro dos prazos de vencimentos?

Em situações de incertezas assim, os investidores, tanto da renda variável como da renda fixa, costumam correr para ativos ditos seguros, a saber: ouro e dólar.

O ouro vale um artigo em si, especialmente quando se trata do ouro internacional.

Nesta altura do campeonato, vamos analisar o mercado cambial.

O que aconteceu com o dólar nesta semana preocupa, e muito.

Uma vez que estamos em um quadro de incertezas, os investidores têm corrido para a moeda norte-americana, o que claramente fez elevar a cotação dela: a demanda aumentou muito e, nesse mercado, costuma mesmo disparar em situações que tais estamos vivenciando.

Por conta do “carry trade” houve um único dia de queda da taxa de câmbio, que chegou abaixo de R$ 5,00. Mas mesmo os investidores estrangeiros não estão repetindo a dose, naquele volume. Explique-se: o “carry trade” é uma operação em que investidores estrangeiros buscam arbitragens, “spreads”, com o dólar e títulos do Tesouro Nacional, tomando emprestado em praças financeiras que cobram baixas taxas de juros (por exemplo, 4% a.a.), fazem o câmbio e vêm para o Brasil, no intradia (ou “daytrade”), comprando Letras Financeiras do Tesouro (que pagam a Taxa Selic, 13,75%) pela manhã, em operações compromissadas (venda dos títulos com promessa de recompra, em um dia – o overnight): o “spread” obtido é de 9,75%. Mesmo descontando a inflação (5,77% agora), esses investidores estrangeiros ficam com uma diferença de 3,98%: um excelente retorno para no “daytrade”!

Nesse diapasão, ainda, uma querida amiga da internet passou-me uma análise gráfica dos limites que a moeda norte-americana poderia alcançar: de R$ 4,87 a R$ 5,70. Por ora, está em torno de R$ 5,30. O último Relatório Focus do Banco Central (esta autarquia, em si, alvo de outra polêmica) apontou que as medianas de mercado estabelecem R$ 5,20 como a taxa de câmbio no final de 2023 (acho muito otimista essa previsão).

Com base nesses parâmetros, posso dizer que o dólar retornar abaixo de R$ 5,00 é altamente improvável. Nas últimas semanas houve uma “janela” de oportunidades de compra do dólar pelos investidores pessoas físicas, que acredito não irá permanecer aberta.

E finalmente, algumas palavras sobre os irracionais ataques de Lula ao Banco Central.

O Banco Central Brasileiro é uma autarquia, isto é, um órgão da administração pública indireta, que cuida da administração da moeda brasileira. Emite o real, opera o mercado aberto (negociação em mercado secundário com títulos da dívida pública) e controla o câmbio, entre outras competências. Fosse um ministério, o Banco Central seria o “ministério da moeda”.

Dentre as administrações mais sensíveis e agudas com que o Banco Central lida, então, está a questão da Taxa Selic, que remunera os títulos da dívida pública. É apenas um dos instrumentos da política monetária, cuja competência lhe cabe.

Neste ponto, muita gente para de ler o texto, porque não sabe o que é política monetária. E é uma coisa simples: política monetária é o controle da oferta da moeda.



Esse controle de liquidez segue uma lógica: muita moeda em circulação causa inflação (perda do poder aquisitivo da moeda), pouca moeda causa recessão. Isso não é uma coisa a Deus dará, quero dizer, é uma função matemática: dependendo da renda brasileira (Y), das condições de crédito (V) e mirando especialmente no nível geral de preços(P), o Banco Central calcula a quantidade de moeda em circulação segundo uma fórmula, um modelo econômico, consubstanciado na Teoria Quantitativa da Moeda.



Resumindo: o Banco Central não sobe os juros porque quer, o faz porque é sua obrigação pelo menos tentar manter a inflação sob controle, e executa isso segundo uma operação matemática, mostrada acima.

Explique-se também: os juros são o “preço” da moeda. Quanto mais altos os juros, mais “cara” (e mais escassa) é a moeda; quanto mais baixos os juros, mais “barata” (e abundante) é a moeda. Continua valendo a lógica: muita moeda (abundante) traz inflação.



Mas o presidente da república, visando algum interesse indecifrável e flertando descaradamente com o descontrole da inflação, quer acabar com essa competência do Banco Central e, nesse desiderato, açodou a corja sua cúmplice, atacando a autarquia e a moeda brasileira, ciente de que isso pode causar a disparada da inflação. Na linha do “coma merda, bilhões de moscas não podem estar enganadas”, surgiu nas redes sociais uma massa de idiotas que não têm a mínima ideia do que estão fazendo, mas desceram a lenha no presidente do Banco Central de forma criminosa.

Ora, esse foi o sinal de alerta que acendeu nos mercados e inclusive na sociedade: o ataque irracional, virulento e criminoso contra a independência do Banco Central é, em resumo, atacar o real, atacar a moeda brasileira.

E esse fundamento econômico não pode ser perdido, em hipótese nenhuma!

Não à toa, ex-presidentes do Banco Central, antigos apoiadores dentre os jornalistas, órgãos de mídia e até o presidente atual do congresso estão desautorizando Lula nessa sanha persecutória contra Roberto Campos Neto e a independência do Banco Central.

Concluindo, podemos vislumbrar: se o presidente da república conseguir seu intento, correr para as montanhas não será suficiente.

Fábio Talhari, para Rede GNI, 10 de fevereiro de 2023.