STF e impasse no Congresso adiam voto impresso
Últimas atualizações em 22/10/2025 – 17:58 Por Gazeta do Povo | Feed
O impasse no Congresso sobre o voto impresso e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter sua posição contrária à proposta adiaram uma possível mudança no sistema eleitoral para eleições de 2026. Enquanto isso, a oposição aposta na futura presidência de Kassio Nunes Marques no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como possibilidade de ampliar a fiscalização e a transparência das urnas nas próximas eleições.
O debate ocorre no momento em que o STF endurece seu entendimento sobre o que considera desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro. A Corte criminalizou ações de contestação da eficácia das urnas eletrônicas de sete réus do chamado núcleo 4 do suposto golpe de Estado, que foram condenados a penas de prisão.
Em paralelo, o Projeto de Lei Complementar 112/2021, conhecido como Novo Código Eleitoral, está tramitando no Congresso e recebeu no Senado um complemento que prevê a volta do voto impresso acoplado às urnas eletrônicas. Mas ele não valerá para as eleições de 2026, pois o Congresso não votou o tema antes do prazo de 4 de outubro, limite legal para aprovar e sancionar mudanças válidas para o pleito seguinte.
O texto, com cerca de 900 artigos, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas não foi a votação no Plenário por falta de acordo.
A divergência impediu a votação dentro do prazo exigido pela regra da anualidade eleitoral, que determina que qualquer mudança no processo de votação só pode valer se aprovada um ano antes do pleito.
O deputado Dr. Frederico (PRD-MG) participou de uma comissão especial que discutiu em 2021 uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tentava estabelecer o voto impresso, mas acabou arquivada após ser derrotada em uma votação. “Votei favorável à continuidade do voto impresso, o placar empatou, e fomos até expulsos da comissão. Conseguimos pautar no plenário, mas a proposta acabou derrotada. O jogo aqui é pesado.”
O Novo Código Eleitoral foi uma nova tentativa de debater o tema. Segundo Dr. Frederico, apesar do prazo para valer nas eleições de 2026 ter sido perdido pelo Congresso, ainda há esperança de maior transparência e auditoria no sistema de votação sob a futura presidência do ministro Kassio Nunes Marques no TSE, que começará em junho do ano que vem.
“A próxima eleição não terá voto impresso, mas acreditamos que o ministro Kassio Nunes Marques vai abrir espaço para fiscalização — acesso ao código-fonte e outras formas de auditar as urnas”, disse o parlamentar à Gazeta do Povo.
O ministro Kassio Nunes Marques, atual vice-presidente do TSE, já afirmou que o debate sobre voto impresso não cabe ao Judiciário, mas ao Parlamento.
“No tocante ao debate acerca da implantação da recontagem física dos votos ou a impressão de registros individuais dos votos lançados eletronicamente, entendo que esse debate cabe ao Congresso Nacional, não devendo órgão de cúpula da Justiça Federal emitir opinião acerca do tema”, declarou em uma audiência na Câmara, em novembro de 2024.
A fala foi vista por aliados da oposição como sinal de independência institucional e abertura ao diálogo, em contraste com o atual ambiente de tensão entre STF e Legislativo sobre o tema.
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Senado travou em impasse sobre o voto impresso
O relator do Novo Código Eleitoral, Marcelo Castro (MDB-PI), e senadores governistas se opuseram à emenda do voto impresso. Já partidos de oposição defenderam a adoção do sistema, por isso não houve acordo para votar o tema em plenário.
Castro e os governistas usam com argumento contra o voto impresso um entendimento do STF, que desde 2020 considera a proposta inconstitucional por alegadamente violar o sigilo do voto.
Entre os opositores, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou no plenário que o dispositivo “não é retrocesso, mas uma evolução natural da tecnologia democrática”. Segundo ele, “a impressão do voto não tira a segurança eletrônica, apenas agrega auditabilidade, que é o que a sociedade quer”.
Já o senador Espiridião Amin (PP-SC) destacou que, embora o tema divida opiniões, o debate é legítimo. Segundo ele, “a ausência de auditabilidade fragiliza a confiança social, tensionando ainda mais o cenário político do país”.
“O voto auditável fortalece a soberania popular, dá estabilidade institucional, pacifica, em síntese, este ruído social que vivemos há mais de dez anos. Converte a confiança imposta pela autoridade em confiança conquistada, pela verificação pessoal do voto de preferência do eleitor”, afirmou em pronunciamento no plenário do Senado.
Segundo o deputado Dr. Frederico, a maior preocupação hoje é política, não técnica. “Não dá para confiar em eleição com o maior líder da direita censurado, sem poder se manifestar ou apoiar candidatos. Antes de pensar em 2026, precisamos encerrar as perseguições. Senão, voto impresso ou não, a eleição fica comprometida”, afirmou se referindo ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
STF reforça jurisprudência sobre fake news e legitimidade das urnas
Enquanto o Congresso travava o texto, o Supremo Tribunal Federal consolidou decisões que reforçam sua posição de defesa das urnas eletrônicas e a punição para fake news eleitorais.
Nesta semana, o STF condenou os sete réus do chamado núcleo 4 do golpe. Eles foram acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de organizar ações de desinformação sobre o processo eleitoral de 2022 e de promover ataques virtuais a instituições e autoridades. Eles receberam penas que variam de 7 a 17 anos de prisão ao serem enquadrados em crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Na prática, o STF criminalizou pela primeira vez a prática do que considera desinformação contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas, fato que deve abrir um precedente para futuras condenações. Até então, a prática era punida apenas na esfera eleitoral, com políticos sendo condenados à ineligibilidade.
Como o Supremo considera o tema “pacificado”, o Congresso tem agora o desafio de discutir a transparência do sistema eleitoral sem confrontar a Corte.
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“Debate virou mais político que técnico”, diz especialista
Com o temor de que o STF condene quem levanta dúvidas sobre as urnas eletrônicas, o debate sobre o voto impresso está praticamente limitado a opiniões de parlamentares da oposição, como nos casos dos senadores Amim e Portinho. A maioria dos analistas dispostos a debater o tema publicamente não defendem a necessidade da impressão do voto.
Para o advogado Peterson Vivan, especialista em Direito Eleitoral, o impasse sobre o voto impresso é hoje mais político do que técnico.
“As urnas já são auditáveis. A auditabilidade existe e pode ser ampliada sem nova lei, por ato do TSE”, opina Vivan.
Segundo o advogado, uma alternativa viável seria permitir uma certificação digital descentralizada, em que instituições como universidades, OAB, Forças Armadas e entidades civis também participassem da ‘coassinatura’ do software das urnas, reforçando a confiança pública:
“Isso criaria um modelo de confiança distribuída, onde diferentes entidades verificam a integridade do sistema do início ao fim e nenhuma autoridade controla sozinha o processo.”
Vivan ressalta que segurança e auditabilidade são conceitos complementares: segurança protege o voto; auditabilidade garante que ele foi corretamente contabilizado. “Nenhuma dessas garantias depende da impressão do voto”, opina.
Ao comentar o endurecimento do STF em julgamentos ligados a fake news eleitorais, o advogado avalia que a Corte tem aplicado o artigo 323 do Código Eleitoral de forma ampliada, punindo também conteúdos atemporais que atacam a credibilidade das urnas.
“Esse cenário cria tensão entre o STF, que busca proteger o pleito, e o Congresso, que deveria atualizar a lei conforme a vontade popular. O equilíbrio institucional se dá quando há diálogo entre os Poderes, e não quando um fala mais alto enquanto os outros se omitem”, conclui.
TSE afirma que urnas são seguras
Quando questionado sobre o tema, o TSE já afirmou que as “urnas eletrônicas são seguras, são confiáveis, e não há nenhuma indicação segura de que não protegem o sigilo e a veracidade do voto de todos os brasileiros.”
Em 2023, quando ainda era presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes afirmou em uma palestra que a Corte Eleitoral não pode aceitar críticas às urnas para “garantir a democracia”. De acordo com a assessoria de comunicação do TSE, o ministro ainda afirmou que “colocar em xeque a eficiência das urnas eletrônicas e do trabalho executado pela Justiça Eleitoral significa duvidar da própria democracia brasileira”.
Além dele, o ministro Luís Roberto Barroso também fez críticas aos debates sobre o voto impresso e afirmou em que a discussão em 2022 foi um retrocesso e que, na visão dele, sugeria a solução para um problema inexistente.
O que pode vir em 2028
Para que o Novo Código Eleitoral — e a regra do voto impresso — possam valer em 2028, o projeto ainda precisa ser votado no Plenário do Senado, aprovado novamente pela Câmara dos Deputados e sancionado até outubro de 2027.
Além do voto impresso, existem outros pontos que seguem em disputa no Novo Código Eleitoral como a alteração no marco temporal da inelegibilidade, hoje contado a partir do cumprimento da pena. A mudança faria esse prazo contar desde a condenação, o que reduziria o tempo de inelegibilidade de muitos políticos condenados.
O texto também pretende reduzir de 8 para 4 anos o período que juízes, promotores, policiais e militares devem cumprir fora do cargo antes de disputar eleições. Assim como mudar regras sobre cotas de gênero e destinação de verbas partidárias para candidaturas femininas.
O impasse revela a distância entre o Congresso e o STF na definição dos limites da reforma eleitoral. Enquanto o Supremo consolida a confiança nas urnas eletrônicas, parte do Parlamento tenta manter vivo o debate sobre transparência, auditoria e liberdade política, temas que devem continuar no centro das disputas até 2028.
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