o que pode ajudar (ou atrapalhar) Lula
Últimas atualizações em 26/09/2025 – 12:29 Por Gazeta do Povo | Feed
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus apoiadores estão entusiasmados com a exploração da bandeira da soberania nacional, discurso que ganhou tração em meio ao tarifaço dos Estados Unidos. O “afago” do presidente Donald Trump ao brasileiro durante reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta semana deu mais fôlego ao sentimento.
A suposta defesa do Brasil e o contraponto ao “inimigo externo” ajudaram a tirar o governo das cordas, posição em que se encontrava desde o início do ano. A desaprovação chegou ao pico de 57% do eleitorado em maio, num contexto de desgaste político agravado pelo episódio envolvendo o desvio de recursos no INSS.
Os números para Lula melhoraram em julho e agosto, após o tarifaço e a queda dos preços dos alimentos, que aliviaram especialmente o bolso das classes mais baixas. Mas o movimento parou por aí. A última pesquisa Genial/Quaest mostra estagnação dos níveis de popularidade do presidente em 51%, o que indica que o efeito do discurso bateu no teto.
A leitura entre analistas é de que os gestos de soberania e enfrentamento externo ajudam a compor o enredo, mas dificilmente sustentam sozinhos a aprovação presidencial. No centro do tabuleiro ainda está o humor econômico da população, que historicamente pesa mais do que discursos diplomáticos, geopolíticos ou identitários na decisão do voto.
“Há muitas pesquisas que evidenciam que as condições econômicas influenciam a decisão de votos dos eleitores”, afirma Sérgio Sakurai, economista da USP de Ribeirão Preto. Para ele, mesmo em tempos de polarização e disputas de narrativas — com identidades políticas mais rígidas, pautas de costumes e desconfiança em relação às instituições —, a velha máxima da campanha política “é a economia, estúpido”, cunhada por James Carville para a campanha de Bill Clinton em 1992, continua válida.
“O que afeta a vida do cidadão tende a afetar as eleições,” resume Graziella Testa, cientista política da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). “E, no Brasil, a economia se tornou o principal formato de responsabilização: o eleitor entende que o cenário econômico é consequência das decisões do presidente.”
Daniela Campelo, da FGV-EBAPE, diz que os efeitos eleitorais do discurso da defesa nacional tendem a não ser determinantes para as eleições de 2026, mesmo com perspectivas de negociações das tarifas com os Estados Unidos e uma possível aproximação entre Lula e Trump.
“Se a eleição fosse hoje, é possível que isso tivesse uma vantagem para o governo, mas eu não acredito, a não ser que esse processo continue até o fim do ano ou do ano que vem, o que eu acho que não vai ser o caso,” afirma. “Na hora da eleição, é como as pessoas estão se sentindo de fato com a economia, com a vida. Quer dizer, é a economia que vai determinar.”
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E a economia, como anda?
Com o crescimento patinando e os juros entre os mais altos do mundo, a economia brasileira enfrenta também uma crise fiscal que reforça a desaceleração. O aperto fiscal e a falta de investimentos intensificam a sensação de marcha lenta da economia.
Apesar desse cenário, o desemprego atingiu 5,6% no trimestre encerrado em julho de 2025, o menor índice desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse dado mostra que, embora o crescimento seja limitado, o mercado de trabalho apresenta sinais positivos.
O desafio para Lula é garantir que a percepção de melhora da economia se estabeleça junto ao eleitor até as urnas. Embora o desemprego esteja baixo, a inflação continua sendo um indicador crítico para a percepção econômica. As projeções para o próximo ano indicam que o desafio de reduzir os preços permanece.
Segundo o Banco Central, a inflação acumulada em quatro trimestres, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), deve alcançar 4,8% ao fim de 2025, acima da meta de 3% definida pelo arcabouço fiscal. Para 2026, a previsão melhora, para 3,6%. Essa trajetória evidencia a persistência da pressão sobre os preços, apesar da desaceleração do crescimento.
Para trazer a inflação de volta à meta, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em 15% ao ano na reunião de setembro e reforçou, em ata, que o atual patamar contracionista deve ser preservado por um período prolongado. Essa decisão reflete a estratégia do BC para conter a alta de preços e estabilizar expectativas.
Para Sakurai, da USP, esse quadro reflete a “armadilha fiscal em que o Brasil caiu há algum tempo”. “Somos um país cujo governo ainda gasta muito e gasta mal”, resume o economista. “Boa parte do dinheiro público vai para despesas correntes, como salários e benefícios, sobrando pouco para investimentos produtivos em áreas que aumentam a capacidade de crescimento do país, como infraestrutura e educação. Sem investimento, o potencial de expansão da economia diminui e o crescimento tende a ser cada vez menor.”
O ciclo vicioso, que nasce da falta de controle dos gastos, é conhecido. Ao gastar mais do que arrecada, o governo recorre à dívida pública, competindo com o setor produtivo por recursos e elevando os juros. Sobram menos recursos para investimentos e crédito, o que impede a melhora da produtividade. Assim, qualquer aumento no consumo resulta em inflação.
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“Para conter essa alta de preços, o Banco Central mantém os juros elevados, o que encarece ainda mais o crédito e desestimula os investimentos privados”, explica Sakurai. Essa explicação reforça a ligação entre armadilha fiscal, juros altos e baixo crescimento econômico.
Apesar desse cenário macroeconômico desafiador, ele não é suficiente, por si só, para afastar o eleitorado. “O Brasil tem crescido acima do previsto nos últimos anos e o desemprego tem estado baixo,” afirma Sakurai. “A oposição não poderá usar esses argumentos contra o atual governo.”
“Para os eleitores menos esclarecidos, isso pode ser suficiente para justificar o voto. Já os mais esclarecidos podem ter na crise fiscal um critério para não votar na continuidade [de Lula].”
Governo já tem pacotes de bondades pré-eleição
Já em “modo eleição”, o governo Lula age no sentido contrário à politica monetária. Enquanto do BC pisa no freio para conter a inflação, o Planalto investe em medidas populistas para estimular o consumo e criar empregos, injetando dinheiro no mercado via crédito, seja para reforma da casa própria, motorista de aplicativo ou programas sociais.
Entre as bondades já anunciadas estão a energia elétrica gratuita para famílias de baixa renda (programa “Luz do Povo”), que deve custar cerca de R$ 3,6 bilhões por ano, e o subsídio para o gás de cozinha (“Gás do Povo”), estimado em R$ 5,1 bilhões no orçamento federal.
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O governo estuda ainda oferecer transporte coletivo gratuito. Se a proposta for aplicada para todos os dias da semana em todo o país, o custo pode ultrapassar R$ 50 bilhões. Uma versão mais modesta — válida apenas nos fins de semana e feriados — já teria custo superior a R$ 4 bilhões.
Apesar do apelo popular, a maioria ainda depende de aprovação do Congresso . já que programas sociais e subsídios dependem de autorização orçamentária e de lei específica.
Na quarta-feira (24), a agenda econômica avançou com a aprovação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado do PL 1.952/2019 — substitutivo do senador Renan Calheiros — que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil, aplica descontos graduais até R$ 7.350, tributa dividendos e cria um programa de regularização tributária para contribuintes de baixa renda.
Trata-se de um projeto similar ao apresentado pelo governo e que tramita na Câmara dos Deputados. Por lá, a tramitação da isenção vem sendo travada por pautas como a proposta de anistia a envolvidos nos atos de 8 de janeiro e a PEC da Blindagem. Esta previa ativar imunidades a parlamentares e acabou rejeitada por unanimidade pelo Senado.
O projeto do IR aprovado pelo Senado segue agora para a Câmara dos Deputados. Mas por lá a prioridade será dada à proposta do governo. A votação foi anunciada para 1.º de outubro pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). No plenário, será necessário também aprovar a compensação da perda de arrecadação, com medidas como a taxação de lucros e dividendos para equilibrar as contas públicas.
O projeto de compesnação do governo do propõe a criação de uma alíquota mínima progressiva para pessoas físicas com rendimentos anuais superiores a R$ 600 mil. A alíquota pode chegar a 10%, dependendo da faixa de renda.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na quarta-feira (24) que a proposta aprovada no Senado não prejudica o projeto do governo. Ele não descartou discutir mudanças na proposta, desde que acompanhadas de compensação de receitas.
“A compensação será uma discussão dura, mas não acredito que propostas econômicas — como isenção e medidas que favorecem a população de baixa renda — sejam barradas pelo Congresso”, diz Graziella Testa, da FGV. “Seria tacanho fazer isso, sabendo que poderiam ser positivas para o Brasil, apenas para evitar a reeleição do presidente.”
Em termos de impacto político, o resultado dessas medidas começou a aparecer nas pesquisas: entre julho e setembro de 2025, a aprovação de Lula entre os beneficiários do Bolsa Família subiu de 50% para 64%, segundo levantamento Genial/Quaest.
Cenário externo pode apresentar surpresas
As expectativas para a economia brasileira em 2025 já refletem esse cenário de crescimento limitado e persistência das restrições fiscais. No relatório de setembro, o Banco Central revisou a projeção do PIB para 2%, abaixo dos 2,1% estimados em junho, indicando que a desaceleração deve continuar ao longo do ano. Para 2026, a previsão recua ainda mais, para 1,5%.
Apesar do consenso interno sobre o crescimento limitado, fatores externos ainda podem alterar o cenário. Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora de Câmbio e CEO do Group Frente USA, destaca que as incertezas de curto prazo estão ligadas principalmente a questões políticas internacionais, como o “tarifaço” de Trump, “já que não se sabe ao certo o tamanho das consequências para o Brasil”.
Nesse contexto, os setores impactados continuam tentando negociar exceções às tarifas em Washington e redirecionar a produção para outros mercados. Ao mesmo tempo em que muitas exportações brasileiras aos EUA vão diminuir, é possível que, a médio prazo, surjam outros países que ocupem o espaço atualmente ocupado por eles, avalia.
No entanto, a imprevisibilidade é a palavra do momento. “Mesmo com o empenho da iniciativa privada em contornar as tarifas, nada impede que o presidente americano lance mão de outros instrumentos em relação ao comércio bilateral daqui até as eleições,” diz Velloni.
“Está tudo em aberto, Trump é totalmente imprevisível. Ele pode promover embargos de outros países para o Brasil como retaliação. E isso teria impacto, sim, na nossa economia e na inflação.”
Em contraste, Campello é mais otimista sobre o cenário. Para ela, a inflação nos Estados Unidos ainda não atingiu seu pico. “Está começando a aparecer, então precisamos acompanhar”, diz. “Isso deve impedir novas tarifas.”
Com a pressão do setor privado, ela acredita ser possível que a reunião entre Lula e Trump gere resultados positivos. “Hoje, existe uma pressão concreta no Congresso americano por parte da iniciativa privada”, afirma. “As empresas americanas querem reduzir tarifas porque não está sendo bom para os importadores. Então não duvidaria que desse encontro [de Lula com Trump na ONU] pudesse surgir algo favorável.”
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