Cid tenta aliviar situação de Bolsonaro no caso do golpe
Últimas atualizações em 13/08/2025 – 21:50 Por Gazeta do Povo | Feed
Nas alegações finais apresentadas no processo sobre a suposta tentativa de golpe em 2022, a defesa do tenente-coronel Mauro Cid tentou eximir o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) do cometimento de crimes contra a democracia. Trata-se da última peça da defesa do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que, para tentar se livrar de uma punição, fechou um acordo com a Polícia Federal para contar o que sabia, delatando outros investigados.
O documento foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no fim de julho, antes das alegações finais de outros sete réus do mesmo processo, que devem ser protocoladas nesta semana. Depois disso, o processo estará pronto para o julgamento final. Caberá ao relator, Alexandre de Moraes, pedir uma data para o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, colegiado também formado por Flávio Dino, Cármen Lúcia e Luiz Fux. São eles que votarão pela condenação ou absolvição dos réus.
Todos os réus, incluindo Cid, são acusados de cinco crimes: golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado da União. As penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão, em caso de condenação.
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Nessa última manifestação escrita, os advogados de Cid afirmam que, como colaborador no processo, ele apenas relatou fatos que presenciou como ajudante de ordens de Bolsonaro, mas enfatiza que não imputou qualquer crime ao ex-chefe – distanciando-se, assim, das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR).
“É preciso deixar muito claro […] que Mauro Cid em momento algum imputou crime ao ex-Presidente da República ou qualquer outra pessoa que compõe o rol de denunciados; até porque isso cumpre ao Procurador-Geral da República e não ao Colaborador. Relatou, isso sim, e como não poderia ser diferente diante do acordo que celebrou e o compromisso que tem com a verdade, os fatos que presenciou ou soube em função de sua condição de Ajudante de Ordem da Presidência”, diz a defesa de Cid.
Na delação, Cid confirmou que, após a derrota na eleição presidencial de 2022, Bolsonaro tinha convicção que “o pleito eleitoral foi viciado” e que, por isso, teria recebido e discutido com comandantes das Forças Armadas o texto de um decreto – a tal “minuta do golpe”, nas palavras da PGR – para aplicar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou um estado de sítio, além da prisão de autoridades, para então realizar nova eleição, em razão de “possível fraude nas urnas eletrônicas”.
A defesa de Cid, no entanto, diz “discordar da acusação ou pelo menos da capitulação atribuída pela Procuradoria-Geral da República quanto aos fatos narrados e sua autoria”.
A manifestação sinaliza endosso à tese apresentada por Bolsonaro e outros réus de que a mera discussão da decretação de uma medida permitida pela Constituição não configura crime. No Brasil, exceto em casos muito específicos e descritos no Código Penal, uma pessoa só pode ser acusada de iniciar a execução de um crime, ainda que não ele não seja consumado. Em regra, não se pune a cogitação nem a preparação.
A tese da PGR, no entanto, é que desde 2021 Bolsonaro “atacava”, em discursos e entrevistas, o STF, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as urnas eletrônicas para descredibilizar uma derrota na eleição e, então, tentar reverter o resultado com uma medida de força. A execução do golpe teria se materializado, na visão da acusação, em distúrbios em Brasília em 12 de dezembro (dia da diplomação de Lula no TSE) e no 8 de janeiro de 2023, com a invasão do Palácio do Planalto, Congresso e STF.
Nas alegações finais, Mauro Cid ainda diz que não teve conhecimento de alguma ordem de Bolsonaro para direcionar a atuação da Polícia Rodoviária Federal ou da Polícia Federal no segundo turno da eleição – trata-se de uma parte importante da denúncia, em que a PGR acusa o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques de tentar impedir eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de votar, especialmente no Nordeste.
A defesa de Cid ainda acusa a PGR de deslealdade processual, em razão do pedido para que ele tenha a pena reduzida em apenas um terço. Os advogados dizem que a colaboração não implica, necessariamente, na confissão de crimes, exigindo tão somente a revelação de fatos de que o colaborador tenha conhecimento.
“É sim obrigação contratual do Colaborador […] esclarecer os fatos que têm conhecimento, assim como também, esclarecer espontaneamente todos os crimes que praticou, participou ou tenha conhecimento do âmbito do acordo de colaboração premiada, tal como aconteceu, não lhe obrigando, evidentemente, confessar o que não praticou apenas para agradar à Procuradoria-Geral da República e assim sustentar sua tese acusatória”, dizem os advogados de Cid.
O ex-ajudante de ordens se defende das acusações alegando que apenas intermediava contatos de Bolsonaro com outras pessoas, além de auxiliá-lo em tarefas administrativas, mas não participava das conversas nem das decisões.
Mais à frente, a defesa busca dar maior valor à colaboração ao afirmar que foi graças a Cid que a investigação soube da reunião de Bolsonaro com os chefes militares para discutir uma medida que revertesse a eleição de Lula, “que é a principal acusação”.
Na mesma linha de valorizar a colaboração, a defesa destaca que “a natureza dos fatos revelados por Mauro Cid […] constitui uma das mais graves agressões já registradas contra a ordem constitucional desde a redemocratização” e que ela “conferiu densidade, narrativa interna e autenticidade a diversos aspectos estruturais da organização criminosa” – nesse ponto, os advogados parecem concordar com as acusações da PGR, mas não atribuem esses crimes a qualquer pessoa.
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Com relação ao general Walter Braga Netto, a defesa de Mauro Cid apresenta, nas alegações finais, um relato mais contundente, embora também evite imputar crimes.
O motivo de a PGR pedir uma redução mínima da pena para Cid é o fato de ele ter omitido, nos primeiros depoimentos, que teria recebido de Braga Netto uma sacola de vinho com dinheiro – relato que só foi feito em novembro do ano passado, após avanço das investigações da PF. Em razão da omissão, Cid quase teve a delação anulada.
No documento entregue ao STF, a defesa reafirma essa última versão, que atribui a Braga Netto participação ativa numa operação, conhecida como “Copa 2022”, cuja finalidade seria prender ou matar Alexandre de Moraes. Era a execução do “Plano Punhal Verde e Amarelo”, documento encontrado com outro general, Mário Fernandes, que detalhava armamento pesado que seria necessário para a “neutralização” do ministro.
Em sua defesa, Cid contou que, na época, achava que o dinheiro seria para trazer manifestantes a Brasília para o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, não para uma ação violenta – por isso não teria contado o caso inicialmente.
Nas alegações, Cid confirma o relato, dizendo que, em 12 de novembro de 2022, levou dois militares de Forças Especiais – o major Rafael de Oliveira e o coronel Hélio Ferreira Lima – para uma reunião na casa de Braga Netto, mas que não participou. O general teria pedido a ele que “se retirasse que eles iam começar a falar de planos operacionais”, e que, por causa de sua proximidade com Bolsonaro, “não seria bom” que participasse da conversa. Nessa reunião, segundo a PGR, o “Copa 2022” foi tramado.
“No que tange à realização da reunião e da necessidade e solicitação do dinheiro é um ponto incontroverso, pois ambos confirmam. Divergem, porém, acerca da efetiva entrega do dinheiro, ao passo que Mauro Cid afirma ter recebido ‘…em uma sacola de vinho…’, o General Braga Neto nega ter entregado sob qualquer forma valores”, diz a defesa de Cid no documento entregue ao STF.
Além de negar a entrega do dinheiro, a defesa de Braga Netto diz que não há, no processo, qualquer prova disso.
Já a defesa de Cid rebate alegando que “a prova é complexa: ninguém assina um recebido de valores assim, filma ou testemunha sua entrega”. Para confirmar isso, deve-se, na visão dos advogados do ex-ajudante de ordens, considerar “se os valores foram utilizados, ou ainda, se após a reunião, os envolvidos se encontraram dentro da dinâmica dos fatos”. Nesse ponto, a defesa de Cid é confusa e destaca a presença de Braga Netto e dos militares do Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro se recolhia.
Ainda assim, mais à frente, os advogados de Cid buscam se isentar nas acusações da PGR. Dizem, por exemplo, que “a prova produzida no processo penal que serve para condenar, evidentemente serve também para absolver”, acrescentando depois, em tom de ironia, que a PGR não deveria usar as provas apenas para acusar – no Brasil, o Ministério Público tem o dever de pedir absolvição caso constate inocência de um investigado.
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