Brasil busca alternativas ao diesel russo; pressão dos EUA cresce
Últimas atualizações em 28/07/2025 – 19:02 Por Gazeta do Povo | Feed
Importadores brasileiros de óleo diesel estão começando a buscar alternativas para substituir o diesel russo devido à pressão dos Estados Unidos e da Otan (aliança militar ocidental) por causa da guerra e por causa de um aumento gradual de preços implementado por Moscou no Brasil. O movimento dos empresários contraria a política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que tenta se aproximar cada vez mais do ditador Vladimir Putin.
Nesta segunda-feira (28), o presidente americano Donald Trump ameaçou reduzir o prazo inicial de 50 dias para entrada em vigor das sanções internacionais secundárias contra parceiros comerciais da Rússia. Trump havia anunciado em 14 de julho que vai impor tarifas de 100% para países que fizerem negócios com a Rússia enquanto o ditador Vladimir Putin não aceitar negociar um cessar-fogo na Ucrânia.
Em 2024, o Brasil foi o segundo maior comprador de diesel russo do planeta, gastando R$ 38 bilhões, segundo o think tank finlandês Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA). O país só ficou atrás da Turquia, que revende o produto para outros países.
A compra do diesel russo pela Petrobras e por importadores privados havia aumentado exponencialmente desde 2022, quando Moscou passou a vender o combustível a preços muito mais baixos que os de mercado para países em desenvolvimento com o objetivo de financiar a invasão militar à Ucrânia.
“O desconto do diesel russo hoje não é tão relevante, mas existe”, disse o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo. Segundo ele, no início da guerra o desconto chegou a US$ 0,15 por galão e atualmente é de aproximadamente US$ 0,03.
O presidente americano Donald Trump vem se frustrando com a negativa de Moscou de negociar um cessar-fogo. Ele começou a pressionar a Rússia no último dia 14 com as sanções secundárias a parceiros comerciais do Kremlin. Logo depois, no último dia 15, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, disse que países como Brasil, China e Índia podem ser taxados em 100% no comércio com os Estados Unidos se continuarem as importações. Citando Lula, ele falou que os líderes desses países deveriam telefonar para Putin e convencê-lo a aceitar um cessar-fogo.
O presidente brasileiro vem sendo um dos maiores apoiadores internacionais de Putin. Mesmo antes de assumir seu terceiro mandato, Lula relativizava a guerra na Ucrânia – afirmando que os ucranianos, que foram atacados, eram tão culpados pela guerra quando os russos. Ele apoiou o Clube da Paz, uma proposta de solução do conflito que sugeria condições favoráveis a Moscou e vetou uma venda bilionária de blindados ambulância para serem usados no transporte de feridos e civis ucranianos.
Além disso, Lula vem apoiando a criação de ferramentas de pagamento global, como o Brics Pay, que podem enfraquecer o dólar e ajudar a Rússia a driblar as sanções internacionais deflagradas com a invasão da Ucrânia.
Nesta semana, o líder da oposição na Câmara, deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), afirmou que o governo Lula se apoia “perigosamente ao eixo do mal”. “Financia com a compra de petróleo russo a guerra contra a Ucrânia, se alinha com ditaduras, ignora as sanções dos Estados Unidos, desafia o Ocidente democrático e abre as portas para o isolamento sem precedentes. E quem é que vai pagar essa conta? O povo brasileiro, claro”, disse.
Segundo Zucco, as sanções comerciais americanas já começam com prejuízo econômico certo e perda de credibilidade internacional evidente. Neste mês, o presidente americano Donald Trump justificou tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto, também como uma resposta à forma como o Brasil, segundo ele, tem tratado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) denominando de perseguição política.
Essas tarifas de 50% mencionadas por Zucco são o tarifaço endereçado especificamente ao Brasil por razões políticas e comerciais e não estão relacionadas diretamente ao comércio com a Rússia. Ou seja, há duas ameaças diferentes dos EUA de aumentar as tarifas comerciais com o Brasil.
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Deputada Silvia Waiãpi investiga possível transporte irregular de diesel russo no Brasil
A deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) vê com preocupação as possíveis sanções secundárias dos Estados Unidos e investiga possíveis práticas irregulares envolvendo o combustível russo no Brasil.
Atualmente companhias de transporte marítimo e seguradoras podem ser alvo de punições de países do G7 (grupo das sete maiores economias democráticas do planeta) e da União Europeia se transportarem petróleo russo e produtos derivados para serem vendidos acima de um preço limite. A ideia do preço limite é limitar a fonte de receitas da Rússia mas não causar um desabastecimento global dos produtos.
O preço limite do petróleo imposto em 2022 era de US$ 60 dólares por barril. Neste mês, o limite foi abaixado na Europa para US$ 47,60 por barril. O preço limite para a venda do barril de diesel é de US$ 100. Se as sanções secundárias de Trump entrarem em vigor, não será possível importar diesel mesmo se o preço pago for inferior ao limite imposto pelas sanções primárias.
Desde 2024, Waiãpi tem denunciado a movimentação de embarcações carregadas com produtos de petróleo russos e venezuelanos até o Porto de Santana, no Amapá. Ela conseguiu até a suspensão temporária desembarques de diesel no estado para que a legalidade das remessas fosse investigada. Há suspeitas de sonegação de impostos e transporte irregular para burlar o limite de preços das sanções internacionais.
A deputada diz suspeitar ainda que parte do diesel russo chega em portos de outros estados do Brasil, mas a entrada é registrada no Amapá. “Em algum lugar esses navios estão chegando e dizendo que estão importando pelo estado do Amapá”, alerta. Segundo a deputada, tramita no Judiciário uma ação para apurar a possível atuação de empresas fantasmas, mas ela segue em segredo de Justiça.
Em abril do ano passado, Silvia Waiãpi encaminhou um ofício à Procuradoria-Geral de Justiça do Amapá solicitando apuração sobre a suposta chegada de navios com carga russa no porto da região.
A denúncia ganhou força após a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) confirmar, segundo ela, que cerca de 215 mil metros cúbicos de diesel, declaradamente originários da Rússia, foram adquiridos por empresas registradas no seu estado.
“No entanto, tanto a Receita Federal quanto a Agência Nacional de Transportes Aquaviários [Antaq] afirmaram não ter registro da entrada de navios com bandeira russa ou de cargas vindas diretamente daquele país”, disse a parlamentar. À reportagem, os órgãos não se pronunciaram.
“Essa situação precisa ser investigada com rigor e pode estar acontecendo com os combustíveis russos em todo o Brasil”, afirmou Waiãpi.
Em junho deste ano, a deputada solicitou à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara a realização de uma audiência pública para debater o tráfego desses navios com petróleo russo pela costa brasileira e as possíveis implicações geopolíticas. A audiência deve ocorrer no retorno do recesso legislativo.
À Gazeta do Povo, Waiãpi ressaltou a gravidade da situação. “A presença de um ator externo em nossa região, possivelmente se beneficiando de um esquema de triangulação comercial, vai além das questões tributárias. Estamos falando de um cenário geopolítico que pode afetar diretamente a posição do Brasil na política internacional, agora ameaçada com tarifas americanas e de outros países aliados dos Estados Unidos”, alertou.
A deputada afirmou que em vez de tentar importar derivados de petróleo da Rússia, o Brasil deveria destravar a exploração de petróleo na região da Margem Equatorial e investir na capacidade de refino. Dessa forma, o país não ficaria dependente do jogo geopolítico internacional para suprir suas necessidades de combustível.
Brasil extrai petróleo suficiente, mas não tem capacidade de refinar e produzir diesel
Apesar de ser autossuficiente na produção de petróleo, o Brasil não tem estrutura em refinarias, exigindo a importação de combustíveis. Somente com o diesel, o país traz do mercado externo cerca de 15 bilhões de litros por ano. Isso representa 35% do diesel que o país utiliza. A demanda nacional é de mais de 67 bilhões de litros por ano.
No ano passado, 65% das importações vieram da Rússia, 17% dos Estados Unidos, 6% dos Emirados Árabes, 5% do Kuwait e os demais 7% de outros mercados.
“O Brasil é um país de diesel, de caminhões, de estradas. Não temos ferrovia [com alta capacidade] nem uma navegação de cabotagem forte. A base da logística nacional é o transporte rodoviário, precisamos do combustível”, explica o engenheiro em Petróleo Armando Cavanha, professor da PUC.
Essa dependência, que se intensificou nos últimos anos, é resultado de uma falha histórica no desenvolvimento do parque de refino brasileiro. “O Brasil não tem capacidade de refino suficiente para produzir todo o diesel que consome. As refinarias foram feitas para serem complementares, dentro de uma lógica de monopólio. Quando isso se quebrou, não houve investimento suficiente para manter a estratégia de forma autônoma”, diz Cavanha.
Com as tentativas frustradas de privatização e a ausência de novos investimentos no setor, o país se viu cada vez mais dependente de fornecedores externos.
“Se houver uma ruptura brusca com o fornecimento russo, o Brasil terá que correr para outros mercados — Estados Unidos, Arábia Saudita, Índia, Qatar — e, certamente, pagará mais caro”, diz o engenheiro.
Antes da invasão da Ucrânia, o maior fornecedor do Brasil eram os Estados Unidos. Agora, os importadores voltam a sondar fornecedores em Washington e nos países árabes, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).
Segundo Cavanha, se o Brasil deixar de comprar da Rússia tende a conseguir suprir sua demanda, mas há risco de desabastecimento temporário e impacto no preço final. Para piorar, o Brasil não tem estoques estratégicos de diesel, o que deixa o país ainda mais vulnerável.
“Nos Estados Unidos, há estoques de petróleo que garantem abastecimento por até 40 dias. Aqui, nosso estoque está nos tanques das refinarias. Isso é perigosíssimo”. Apesar da gravidade do quadro, segundo o engenheiro, a resposta do Brasil ainda é lenta e tímida. “O que vemos é uma diplomacia confusa, fragmentada. Falta uma política energética clara, com visão de médio e longo prazo. As ações são reativas, por vezes politizadas, e não estratégicas”.
Governo Lula se aproximou de Putin e se beneficou de diesel barato às custas da guerra
Desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, o Brasil praticamente dobrou suas importações de produtos russos. O valor gasto pelo país em compras da Rússia aumentou de US$ 6,2 bilhões em 2021 para US$ 12,2 bilhões em 2024. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Esse aumento nas importações russas ocorre de forma constante, mas se potencializou sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem se mostrado cada vez mais próximo de Vladmir Putin e de Moscou.
O governo saiu ganhando ao evitar uma subida descontrolada nos preços do diesel, o que poderia gerar inflação e desagradar a classe dos caminhoneiros. Mas agora pode pagar caro se não mudar de política antes dos Estados Unidos adotarem as sanções secundárias contra países que compram petróleo e derivados da Rússia.
Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que regula e fiscaliza o setor, o valor do diesel nas bombas apresentou uma redução ao longo do governo de Lula. Em janeiro de 2023, no início do mandato, o preço médio do litro do diesel S-10 ao consumidor era de R$ 6,40.
Já na segunda semana de julho de 2025, o valor médio registrado nas bombas ficava em todo o Brasil em R$ 5,97. Essa variação, segundo o economista Rui São Pedro, representa uma queda nominal no preço final pago pelos motoristas, mas refletindo, em parte, as mudanças na política de preços da Petrobras e as reduções promovidas no valor do combustível que sai das refinarias.
“O combustível adquirido de forma mais barata influencia nisso, assim como pagar mais caro por falta de estratégia política e comercial também é uma realidade a ser observada para um curto prazo diante do que estamos vendo sobre as tarifas”, diz.
Um barril de diesel legalizado (dentro do limite de preços das sanções internacionais) em tese poderia ser vendido ao Brasil por no máximo R$ 556, em cotação de julho. Isso significa que o preço de compra por litro seria de aproximadamente R$ 3,5. O preço nas bombas de R$ 5,97 tem acréscimos de custos de transporte, armazenamento, distribuição, lucro, impostos e a política de preços das empresas.
Ou seja, é difícil fiscalizar se o diesel russo que chega no Brasil burla ou não os limites de preço estabelecidos pelas sanções internacionais primárias. O Brasil não é signatário dessas sanções de limite de preços e não seria punido por comprar petróleo e derivados fora desses limites. Quem corre risco no momento são as transportadoras e seguradoras marítimas, que podem ser punidas internacionalmente se comercializaram esses produtos acima do limite de preços estabelecido.
Já se as sanções secundárias prometidas pela Casa Branca entrarem em vigor, nenhum tipo de importação de produto russo, por qualquer preço, poderá acontecer sem que o Brasil seja taxado em 100% em suas exportações para os Estados Unidos.
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Diplomacia e governo insistem em jogada de risco, alerta especialista
A manutenção das importações de diesel e outros combustíveis russos pelo Brasil é vista como uma jogada de risco ao governo e à diplomacia brasileira pelo doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), Luiz Augusto Módolo.
Ele alerta que há tempos o Brasil deveria pensar em ampliar sua própria exploração e refino ou em parceiros diversos, não ficando na dependência quase exclusiva de um fornecedor majoritário. O especialista lembra que, embora o governo brasileiro possa considerar economicamente vantajosa a aquisição de combustíveis russos, o custo diplomático pode superar os ganhos imediatos.
“Quem está comprando pode até fazer um cálculo e achar que vale a pena. Mas, em termos de provocações desnecessárias aos Estados Unidos e aos seus aliados — dos quais o Brasil, inclusive, vem se afastando, não sei se vale o risco”, afirmou Módolo.
Segundo Cavanha, o Brasil correrá grande risco se fora alvo de sanções americanas e ainda adotar alguma retaliação comercial aos Estados Unidos. “Retaliar pode piorar as relações comerciais e nos deixar ainda mais isolados. Por isso, a única saída responsável é a diversificação dos fornecedores e a construção de uma estratégia de longo prazo para o refino [em território nacional] e a importação”.
Cavanha afirma que o Brasil precisa de segurança energética e autonomia. “Se trata de proteger o funcionamento do país. Não podemos correr o risco de parar os caminhões porque não temos diesel ou porque apostamos todas as fichas em um só fornecedor”.
Para ele, o Brasil está diante de uma escolha decisiva: ou avança para uma política energética madura e previsível, ou continuará à mercê de interesses geopolíticos externos que não priorizam a estabilidade nacional.
Gazeta do Povo
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