Iniciativas de limites ao STF estão paradas no Congresso
Últimas atualizações em 21/07/2025 – 12:43 Por Gazeta do Povo | Feed
As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal — uma suspendendo a revogação do decreto sobre a cobrança de IOF em transações internacionais e outra envolvendo diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro — acirraram o clima de tensão entre os Poderes e deram novo impulso à mobilização da oposição contra o que chama de abusos do Judiciário.
A avaliação entre parlamentares de direita é de que as medidas reforçam a urgência de destravar no Congresso as propostas que buscam dar limites à atuação do STF, em especial as decisões monocráticas de seus ministros. Líderes da oposição afirmam que as recentes intervenções desmoralizam o Legislativo, afrontam a separação de Poderes e ampliam a pressão por uma reação institucional mais firme.
Pelo menos 20 PECs com esse objetivo estão paradas na Câmara e no Senado. Dessas, apenas duas — as PECs 8/2021 e 28/2024 — avançaram até agora, com aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mas seguem sem instalação de comissões especiais.
Apesar do ruído político em torno do tema, o avanço dessas propostas esbarra em fatores institucionais, conjunturais e eleitorais. A aprovação de uma PEC exige quórum elevado — 3/5 dos votos em dois turnos em cada Casa —, além de articulação política consistente.
A PEC 8/21, que trata do fim das decisões monocráticas, é a proposta mais adiantada. O texto busca impedir que ministros do STF e de outros tribunais superiores tomem decisões individuais (monocráticas) com efeitos amplos, como a suspensão de leis ou criação de despesas públicas.
Aprovada no Senado em novembro de 2023, a PEC foi aprovada pela CCJ da Câmara em outubro de 2024. Desde então, a proposta aguarda ser analisada em uma comissão especial, que precisa ser instalada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Segundo o deputado Kim Kataguiri (União-SP), a pauta travou por falta de vontade política. “Depois da aprovação na CCJ, não existe nenhuma perspectiva de o Hugo Motta criar a comissão especial. Vejo uma covardia generalizada no Congresso para enfrentar abusos do STF”, disse à Gazeta do Povo.
Na mesma linha, o autor da PEC 8/21, senador Oriovisto Guimarães (PSDB/PR), avalia que faltou “vontade política”, especialmente de Motta, “porque o Senado já fez a sua parte”. Ele ainda afirmou que a PEC “não é uma PEC contra o Supremo, ela é uma PEC que passa a limpo a divisão dos Poderes”.
“Pelo contrário, ela é uma PEC a favor do Supremo. Ela vai fazer com que o Supremo deixe de ser 11 tribunais para ser apenas um, para ser um colegiado. E isso é bom, antes de tudo, para o próprio Supremo”, afirma.
Com a nova decisão de Moraes, Oriovisto reforçou a necessidade da Câmara tomar uma atitude em relação à PEC das decisões monocráticas. “Um homem sozinho, ministro Alexandre de Moraes, em uma decisão monocrática, disse à nação brasileira: eu sozinho posso mais que 513 deputados, que 81 senadores e que a presidência da República. Não é possível que a Câmara continue engavetando a PEC que pede o fim das decisões monocráticas”, cobrou.
PEC prevê que Congresso pode suspender decisão do STF
Outra proposta parada é a PEC 28/2024, que pretende dar ao Congresso Nacional poder para suspender decisões do STF, mesmo aquelas que já transitaram em julgado, mediante maioria qualificada.
Também aprovada na CCJ da Câmara no ano passado, a continuidade da tramitação depende da instalação da comissão especial e da votação em dois turnos no plenário da Câmara.
Além das PECs 8/2021 e 28/2024, o Congresso Nacional abriga mais de 20 propostas de emenda à Constituição que, de alguma forma, buscam restringir ou reformular o papel do STF. A maior parte delas está parada em comissões, sem previsão de avanço. Poucas têm tramitação efetiva ou articulação política suficiente para chegar ao plenário.
As propostas variam em escopo e profundidade. Algumas são estruturais, como as que propõem mandato fixo para os ministros, quarentena para ex-políticos indicados ao Supremo, ou até o fim das decisões monocráticas. Outras têm caráter mais simbólico ou reativo, como PECs que tentam impedir o STF de reverter decisões do Congresso ou restringir os temas que a Corte pode julgar diretamente.
Há ainda PECs que sugerem mudanças no processo de escolha dos ministros, endurecendo sabatinas ou impondo idade mínima e máxima. A maioria dessas propostas surgiu em resposta a decisões específicas do Supremo que geraram insatisfação política, especialmente entre parlamentares ligados à base conservadora.
Na prática, apenas um pequeno grupo dessas PECs teve movimentação recente. Mesmo assim, o avanço é tímido e sem garantias. Sem consenso político e em meio ao calendário eleitoral de 2026, a tendência é que a maioria dessas propostas continue em “banho-maria”.
Especialistas veem poucas chances de propostas de limites ao STF avançarem
Para Rafael Favetto, cientista político e sócio da Fatto Inteligência Política, esse tipo de proposta tende a perder fôlego com o tempo.
“Essa PEC é uma retaliação parlamentar. Já tivemos dezenas de propostas parecidas, mas todas ficaram no plano da ameaça. O sistema jurídico avançou para dar mais poder aos relatores. Limitar isso exigiria uma guinada estrutural — mas essas PECs são conjunturais.”, disse.
Favetto ainda reforça essa visão: “O atrito diplomático com os EUA não favorece a discussão de agendas políticas desse tipo. As discussões deverão ficar em espera e sem cenário certo quanto à retomada da tramitação.”
O cientista político Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, vê nas PECs contra o STF um risco de tensão institucional. “As PECs tratam sobre temas sensíveis com poder para aumentar o nível de atrito entre Poderes. Neste momento, de negociação em torno do IOF e de elevação das taxas dos EUA, não parece oportuno discutir esse tipo de proposta”, ressaltou.
Para Gabiati, essas PECs apenas avançaram na CCJ no ano passado por “questões específicas”, porém, agora ele avalia que “não faria sentido dar à discussão”.
Favetto opina que esse tipo de embate entre Poderes seria parte do jogo institucional. “A tensão entre Poderes existe desde o início da República. Cada Poder sabe as consequências de esticar demais a corda. O sistema tem válvulas de escape. A vaquejada é um exemplo: o STF declarou inconstitucional, e o Congresso reagiu com uma emenda”.
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Limites da força do STF é pauta exclusiva da direita
A pauta de limitação ao Supremo Tribunal Federal ainda mobiliza parte expressiva da direita no Congresso. Para a deputada Caroline de Toni (PL-SC), líder da Minoria na Câmara, a aprovação do pacote de reequilíbrio entre os Poderes na CCJ, em 2024, representa um marco estratégico para esse campo político.
“O pacote de reequilíbrio entre os Poderes, aprovado na CCJ em 2024, é uma das grandes prioridades da direita. Temos cobrado constantemente do presidente da Câmara que instale as comissões especiais das PECs 8/21 e 28/24. As decisões monocráticas, bem como aquelas que nitidamente extrapolam o que determina a Constituição têm chamado a atenção de toda a comunidade internacional. Este é um momento estratégico para que o Congresso avance com o pacote e restabeleça o equilíbrio entre os Poderes”, disse à Gazeta do Povo.
Já o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), vê nas PECs uma resposta necessária ao que chama de “abusos” e “ativismo judicial” de parte do STF, especialmente direcionados a parlamentares conservadores. Para ele, há perseguição institucional contra figuras da direita com projeção eleitoral, como no caso de possíveis candidaturas ao Senado em 2026.
“A carta do presidente Donald Trump é muito clara. Ela denuncia a censura praticada no Brasil, acusando o país de enviar centenas de decisões de censura a empresas e cidadãos americanos. Isso precisa ser tratado com seriedade. Lamentamos que os presidentes das duas casas não queiram enfrentar o problema do ativismo do STF, dos abusos e do cerceamento de liberdades, inclusive contra parlamentares. Hoje, no Brasil, se você é conservador e tem chance de disputar o Senado, vira alvo”.
Segundo Sóstenes, o cenário político atual não favorece o avanço das propostas, mas ele aposta numa virada mais à direita após as eleições:
“Lamentavelmente, não vejo disposição política, nem dos presidentes das casas nem de partidos de centro, para fazer esse enfrentamento. Espero que isso mude. Talvez, com a expectativa de poder inclinando-se mais à direita para 2027, possamos retomar esse debate e aprovar essas PECs, fazendo com que a Constituição volte a ser respeitada”.
Crise com os EUA não deve alterar o ritmo no Congresso
A imposição de tarifas comerciais pelos EUA também foi usada como pretexto político por setores que acusam o STF de enfraquecer a soberania nacional. Mas, para os especialistas, essa leitura é exagerada.
“O efeito imediato da crise com Trump foi elevar o caráter nacionalista. Quem apostou no contrário se assustou com o efeito reverso”, afirma Favetto.
Kataguiri também relativiza o impacto da crise: “Trump fez isso com mais de 20 países. É só uma estratégia comercial. Não vejo preocupação genuína com democracia no Brasil. Duvido muito que isso mobilize o Congresso a avançar em PECs contra o STF.”
Para o senador Oriovisto a crise também não deve impactar no avanço das PECs, apesar do Trump ter citado o STF na carta ao Brasil. “Essa história do Trump querer se meter em assuntos internos aqui no Brasil, isso não vai ter ressonância dentro do Congresso, ninguém vai apoiar isso. Pelo contrário, acho que todos se unem na defesa da soberania brasileira”, declarou.
Com a janela eleitoral de 2026 se aproximando, a pauta institucional tende a perder espaço. O cientista político Leandro Gabiati resume: “Estamos a pouco mais de um ano da eleição. Essa será a prioridade política daqui em diante. A depender dos resultados, a discussão em torno do STF poderá ganhar ou perder força”.
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