Eleitor de Lula é mais propenso a relativizar a democracia

Últimas atualizações em 21/07/2025 – 16:33 Por Gazeta do Povo | Feed

A maioria dos brasileiros diz estar disposta a aceitar que regras democráticas sejam flexibilizadas de acordo com suas preferências políticas e de qual grupo está no poder em determinado momento. É um fenômeno que se manifesta tanto entre os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva quanto de Jair Bolsonaro.

Mas, na comparação com os apoiadores de Bolsonaro, quem votou em Lula em 2022 demonstra maior propensão a apoiar que o presidente ignore decisões judiciais tendenciosas do que os eleitores do ex-presidente (49,1% versus 42,4%). Também se mostra mais favorável a que o Congresso seja ignorado, se atrapalhar o governo: 56,4%, contra 45,6%.

Estas são algumas das conclusões da pesquisa “Entre o Princípio e a Conveniência: o paradoxo da atitude democrática dos brasileiros”, um trabalho financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desenhado pelo instituto de pesquisa INCT Representação e Legitimidade Democrática (ReDEM), sediado na Universidade Federal do Paraná (UFPR). As entrevistas com 1.504 brasileiros foram realizadas em fevereiro pelo instituto Ipsos-Ipec. Eles responderam a mais de 200 questões.

O estudo partiu da constatação de que pesquisas recentes de opinião vêm revelando uma crescente insatisfação dos brasileiros com a democracia, como aponta Adriano Codato, que é professor de ciência política na UFPR. “O objetivo foi investigar em que medida essa insatisfação poderia estar relacionada a concepções muito particulares que eleitores possuem sobre o que é ou o que deve ser um regime democrático, sobre quais são seus atributos necessários e suficientes”, afirma.

 “Obter um quadro sobre essas visões nos parece particularmente relevante diante dos recentes ataques às instituições políticas, do contexto de polarização que vimos nas últimas eleições e da recente exasperação dos conflitos entre os poderes”, reforça Felipe Calabrez, cientista político que atualmente faz estágio de pós-doutorado na Sciences Po Paris com bolsa do ReDem.

Contradições aparentes

O trabalho abordou duas questões em especial. Uma delas é: como equilibrar o princípio da maioria com a salvaguarda de direitos das minorias? A outra: em que medida a busca por eficácia governamental pode justificar a flexibilização de controles institucionais do Congresso Nacional e do Poder Judiciário?

O que os dados revelaram foi que, quando questionados sobre valores abstratos, como proteção de minorias e controle de ilegalidades, os eleitores em geral demonstram forte adesão a “princípios liberais” – entendidos na pesquisa como garantia dos direitos individuais e de minorias; e de outros fatores como a importância da separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Porém, quando esses mesmos princípios são apresentados em contextos que evocam conflito, uma parcela significativa dos brasileiros se mostra disposta a relativizá-los.

Em tempos de profunda polarização política, esta contradição aparente se manifesta nos dois espectros do campo político, que os autores definem como a “centro-esquerda de Lula” e a “extrema-direita de Bolsonaro”. No conjunto de todos os entrevistados, 82,9% consideram que, em uma democracia, os direitos de grupos minoritários devem ser protegidos, mas 47% concordam que a maioria deve conseguir o que quer, mesmo que os direitos de algumas minorias sejam restringidos.

Além disso, 69,7% concordam que, em uma democracia, os tribunais devem ser capazes de impedir o governo de agir além de sua autoridade, praticando ilegalidades. E 43,8% concordam que o presidente deve poder ignorar as decisões judiciais consideradas politicamente tendenciosas.

Tendências diferentes

Quando os pesquisadores se debruçaram sobre as mesmas perguntas, filtradas de acordo com o candidato à presidência em que as pessoas votaram em 2022, os eleitores de Lula dizem valorizar um pouco mais a proteção de minorias: 87,4%, versus 76,5% dos apoiadores de Bolsonaro. Mas, quando a afirmação é “a maioria deve conseguir o que quer, mesmo que os direitos de algumas minorias sejam restringidos”, 48,8% dos lulistas concordam, contra 44% dos bolsonaristas.

No que tange a relação da presidência com os tribunais, 71,6% e 71,1% dos eleitores de Lula e Bolsonaro, respectivamente, consideram que os tribunais devem ser capazes de impedir o governo de agir além de sua autoridade. Mas 49,1% dos lulistas dizem que o presidente deve “poder ignorar as decisões judiciais consideradas politicamente”. Um percentual bem menor de eleitores de Bolsonaro, 42,4%, concorda com a afirmação. Tendência semelhante se manifesta sobre a afirmação de que o Congresso Nacional deve ser ignorado se atrapalhar o trabalho do governo: 56,4% dos lulistas contra 45,6% dos bolsonaristas concordam.

“A hipótese era a de que eleitores de Bolsonaro seriam menos ‘liberais’ e menos ‘constitucionalistas’, isto é, se preocupariam menos com direitos de minorias e com a separação dos poderes, ou, dito de outro modo, entenderiam a democracia como vontade legítima da maioria e concentração de poder no presidente”, explica Codato. “Esta hipótese não se confirmou”, conclui. “O achado mais inesperado foi que eleitores de Lula demonstram maior propensão a apoiar concentração de poder presidencial em situações específicas”, diz Calabrez.

Quem votou em Lula em 2022 demonstra maior propensão a apoiar que o presidente ignore decisões judiciais tendenciosas do que os eleitores de Bolsonaro (49,1% versus 42,4%). (Foto: Foto: Reprodução / Pesquisa “Entre o Princípio e a Conveniência: o paradoxo da atitude democrática dos brasileiros”)
O eleitor de Lula se mostra mais favorável a que o Congresso seja ignorado, se atrapalhar o governo: 56,4%, contra 45,6%. (Foto: Foto: Reprodução / Pesquisa “Entre o Princípio e a Conveniência: o paradoxo da atitude democrática dos brasileiros”)

“Autoritarismo situacional”

Os pesquisadores dizem que, tendo em conta pesquisas anteriores, que demonstraram que os eleitores de Bolsonaro eram mais “majoritários” enquanto Bolsonaro era presidente, uma interpretação possível é a de que certas diferenças podem ser mais situacionais do que ideológicas. Isto é, elas variam se o político em quem o eleitor votou estiver no poder ou não, naquele momento.

Em outras palavras, existe entre boa parte dos brasileiros um “autoritarismo situacional”, distinto do autoritarismo ideológico. “Os eleitores de Lula podem estar, no momento em que a pesquisa foi feita, expressando frustração com obstáculos institucionais que percebem como ilegítimos ou partidários, facciosos em relação ao governo que apoiam”, diz Codato. “Essa interpretação sugere que o apoio à concentração de poder é condicional e contextual, dependendo de quem está no poder e de como as instituições são percebidas em termos de legitimidade e imparcialidade”, afirma Calabrez.

Estas constatações podem gerar consequências, do ponto de vista das eleições presidenciais de 2026? Para Codato, o estudo sugere que cidadãos de diferentes campos políticos podem estar dispostos a relativizar princípios democráticos quando isso favorece suas preferências políticas imediatas. “Isso pode significar que qualquer candidato ou governo pode potencialmente se beneficiar dessas disposições situacionais, dependendo do contexto político e da percepção sobre a legitimidade das instituições.

“O que fica evidente é que a vulnerabilidade da democracia brasileira pode residir menos em extremismo ideológico explícito e mais nessa tendência mais sutil, mas amplamente distribuída, de flexibilizar normas democráticas por preferência política”, finaliza Calabrez.

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