Regulação das redes pelo STF turbina investigação comercial

Últimas atualizações em 18/07/2025 – 03:22 Por Gazeta do Povo | Feed


Citando o julgamento do Marco Civil da Internet, a investigação comercial dos Estados Unidos contra o Brasil anunciada na terça-feira (15) aponta que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de atribuir às empresas privadas a responsabilidade de censurar publicações ilícitas e de teor político vai gerar um custo econômico que será levado em conta na disputa tarifária entre os dois países.

Em 26 de junho, a Corte alterou o artigo 19 do Marco Civil da Internet e decidiu que as plataformas de redes sociais devem remover conteúdos considerados ilícitos pelo STF sem necessitar de ordem judicial. O julgamento estabeleceu que redes sociais que mantiverem no ar esse tipo de material poderão ser responsabilizadas civilmente caso não adotem mecanismos prévios de prevenção ou retirada do conteúdo. Ou seja, podem receber multas ou mesmo serem forçadas a sair do país.

No relatório apresentado pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos, o governo americano afirma que a decisão do STF, “pode desencadear a remoção preventiva de conteúdos e restrições a uma vasta gama de discursos, bem como aumentar significativamente o risco de danos econômicos para as empresas de redes sociais dos EUA”.

“Eu não tenho a menor sombra de dúvida de que as plataformas não conseguem nesse momento mensurar o custo. Mas sabem que o custo vai ser impactante e provavelmente em alguns desses custos impactantes vão levá-las a não prestar determinados serviços. Por exemplo, nas eleições do ano que vem, eu acredito que isso ocorrerá”, afirma o advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

A investigação ocorre após o anúncio de Trump de impor tarifas de 50% sobre as importações brasileiras a partir de 1º de agosto de 2025, e depois que o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, alertou que o Brasil e outros parceiros comerciais da Rússia podem ser fortemente atingidos por tarifas secundárias de Washington contra Moscou, caso não seja alcançado um acordo para interromper a guerra na Ucrânia.

Para o cientista político Thales Castro, presidente do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia (Iperid), a abertura de investigação comercial pelos Estados Unidos evidencia como a insegurança jurídica gerada por decisões do STF e os discursos antiocidentais do governo brasileiro agora geram consequências práticas na economia.

Segundo ele, os discursos antiamericanos do presidente Lula, intensificados após os ataques do Hamas a Israel em outubro de 2023, passaram a ter impactos concretos, sobretudo após a mudança de gestão na Casa Branca com o retorno de Trump ao poder. “Na gestão Biden, fazia-se uma relativização. Mas na gestão Trump, que já está com metade de um ano, ela vai ser caixa de ressonância”, explica.

Regulação feita pelo STF não segue os mesmos do modelo europeu

Se por um lado há o entendimento de que o Supremo comete censura contra as redes, do lado da Corte o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, chegou a afirmar, na segunda-feira (14), que a atuação do Judiciário sobre a regulação das redes “produziu uma solução moderada e menos rigorosa que a regulação europeia, preservando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de empresa e os valores constitucionais”.

A legislação aprovada pelo bloco europeu (Lei de Serviços Digitais) em 2022 estabelece regras rígidas para as plataformas, como a imposição de um maior controle sobre o que é exibido ao usuário, a proibição de publicidade online focada no público menor de idade e medidas relacionadas ao processo eleitoral.

O cientista político Marcelo Suano rebate o argumento do ministro alegando que o modelo europeu prioriza a liberdade do cidadão, enquanto o brasileiro estaria adotando uma lógica de antecipação punitiva.

“Tudo que a União Europeia fez em torno da legislação sobre proteção de dados e direitos nas redes sociais foi pensando na liberdade do cidadão, e não em antecipar pré-julgamentos sobre o que ele poderia fazer no futuro.”

Ele compara a abordagem brasileira a uma ficção distópica: “É quase como ocorre no filme Minority Report. Eu, o Estado, identifico a tua personalidade, prevejo os crimes que você pode cometer e, antecipadamente, impeço todos os caminhos que poderiam levar a esse crime futuro. É basicamente isso que o STF está fazendo, ao contrário do que a União Europeia fez.”

EUA também querem investigar Pix, etanol, desmatamento e tarifas discriminatórias

A investigação anunciada nesta terça está sendo feita pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA, sob os parâmetros da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que foi criada para responder a práticas estrangeiras “discriminatórias” que afetem o comércio americano. Se as práticas forem consideradas desleais, os EUA podem impor medidas corretivas, que incluem tarifas e medidas não tarifárias.

Além das redes sociais, os EUA também irão investigar o Pix, sistema de pagamento instantâneo brasileiro. O USTR aponta que o governo “promove seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”, como o Pix, o que poderia prejudicar a competitividade de gigantes americanas como Visa e Mastercard. 

No setor de etanol, os Estados Unidos afirmam que o Brasil, que mantinha com Washington um regime quase isento de tarifas entre 2010 e 2017, agora aplicaria uma cota de 600 milhões de litros com alíquotas que já chegaram a 20 %, e hoje estão em 16 %. Segundo o Escritório do Representante Comercial dos EUA, isso reduziu drasticamente as exportações americanas: de US$ 761 milhões em 2018 para US$ 140 mil em 2023.

Outro foco é o desmatamento ilegal. Segundo o relatório americano, ao menos um terço da madeira amazônica teria origem ilegal, o que conferiria uma vantagem comercial aos produtores brasileiros que utilizam áreas desmatadas em prejuízo dos concorrentes dos EUA, que seguem certificações ambientais.

No aspecto do combate à corrupção, o documento diz que houve enfraquecimento das medidas anticorrupção no Brasil, citando “acordos opacos” de leniência e anulação de condenações da Lava Jato, como no caso da Odebrecht, com decisões judiciais que teriam revertido sentenças por suborno e lavagem de dinheiro.

O Escritório do Representante Comercial dos EUA também aponta privilégios tarifários que o Brasil estabeleceu em acordos bilaterais de comércio com países como Índia e México.

Por fim, na área de propriedade intelectual, os Estados Unidos acusam o Brasil de falhar no combate à pirataria e na proteção de patentes. Cita diretamente a Rua 25 de Março, um centro de comércio popular em São Paulo, como exemplo de grande mercado de produtos falsificados. O Escritório do Representante Comercial dos EUA também critica a demora na concessão de patentes (7 anos em média, e 9,5 anos para patentes farmacêuticas). Esses atrasos e a circulação de produtos ilícitos prejudicariam os criadores e empresas americanas inovadoras.

A investigação americana sobre as práticas comerciais brasileiras está inserida em um cenário de embate entre os presidentes Lula e Trump que pode levar o Brasil a ser taxado em 50% nas exportações para os Estados Unidos.

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