Falta de provas deve marcar alegações finais no caso do golpe
Últimas atualizações em 06/07/2025 – 13:08 Por Gazeta do Povo | Feed
As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos demais réus do “núcleo 1” na ação do suposto plano de golpe de Estado devem apresentar suas alegações finais ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 45 dias. Essa é a última etapa antes da sentença, que poderá ser proferida após as manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e de todas as defesas dos réus. A expectativa de analistas é de que o julgamento ocorra em setembro.
Segundo advogados ouvidos pela reportagem, dentre as estratégias da defesa de Bolsonaro está a possibilidade de argumentar que não há provas suficientes para vincular o ex-presidente aos atos de 8 de janeiro de 2023. Bolsonaro tem enfatizado que sequer estava no Brasil na data.
As alegações finais também devem se referir à chamada “minuta do golpe”. Sem provas concretas sobre a sua autoria, bem como da forma como Bolsonaro teria interagido ou apresentado o documento, a acusação pode sair enfraquecida. O principal argumento é que não há nenhuma “minuta de golpe” assinada por Bolsonaro, apesar da PGR alegar que ele teria editado o suposto documento.
Assim, de forma geral, se configuraria a falta de evidências concretas de que Bolsonaro tenha tentado articular, junto às Forças Armadas, a execução de um golpe para se manter no poder após o término do mandato.
As contradições na colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também devem figurar entre os argumentos das defesas para garantir a absolvição dos réus. Para o advogado e doutor em Direito Penal pela USP Matheus Herren Falivene, focar nas contradições da colaboração de Mauro Cid é uma das principais teses de defesa. “Tal tese conduziria à absolvição por falta de provas”, aponta Falivene.
De acordo com o professor de Direito Constitucional Fábio Tavares Sobreira, as defesas devem focar em desmontar os argumentos utilizados pela acusação. Para Sobreira, a argumentação deve se concentrar na alegação de que não há provas nos autos que demonstrem que Bolsonaro tenha ordenado ou participado diretamente de qualquer tentativa de subversão da ordem institucional. “[As defesas] devem desmontar a frágil arquitetura da acusação, evidenciando a absoluta ausência de conduta típica, o viés político da persecução e, sobretudo, o descolamento entre as narrativas forjadas e a realidade dos fatos”, argumenta Sobreira.
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As alegações finais são a última oportunidade, no rito processual penal, para que acusação e defesa apresentem suas versões definitivas dos fatos, organizando as provas colhidas e fundamentando seus argumentos jurídicos. “As alegações finais são, em essência, a última trincheira do devido processo legal antes da sentença”, explica o professor de Direito Constitucional Fabio Sobreira.
O advogado criminalista Anderson Flexa reforça que esse é o momento em que a paridade de armas deve ser assegurada com máximo rigor, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve se manifestar em 15 dias, que começaram a contar no dia 27 de junho.
De acordo com os advogados ouvidos pela reportagem, a tendência é de que a manifestação da PGR nesta última fase do processo busque a procedência da ação penal, reforçando a tese acusatória e alegando que a instrução criminal comprovou a ocorrência do crime e a participação dos acusados.
Depois disso, mais 15 dias serão destinados para a apresentação das alegações finais do delator Mauro Cid e, por fim, 15 dias para as defesas de Bolsonaro e dos demais réus do chamado “núcleo 1”, que terão o mesmo tempo para se manifestar. Ou seja, a fase de alegações finais tem duração prevista de 45 dias e deve acabar na segunda semana de agosto.
As defesas, por sua vez, devem atuar para desmontar a acusação, evidenciando a ausência de conduta típica e a fragilidade ou insuficiência de provas. Nessa fase, os advogados podem alegar nulidades processuais e buscar a absolvição por falta de provas ou atipicidade da conduta. Para o advogado e professor de Direito Constitucional Fabio Tavares Sobreira, as defesas usarão as alegações finais como o momento de enfatizar que o processo “não se trata de uma organização criminosa, mas de uma construção jurídica artificial”.
Advogados ouvidos pela Gazeta do Povo apontam ainda que o caso já não julga apenas os réus, mas também a integridade do próprio Estado Democrático de Direito. Para eles, o processo evidencia um impasse que ultrapassa os limites jurídicos, alcançando o campo político.
Após as alegações finais, os ministros da Primeira Turma também devem ter um prazo, ainda não definido, para analisar o que for apresentado pelas defesas de Bolsonaro e demais réus ao STF.
Moraes acelera ação penal que pode levar Bolsonaro à prisão
Ao encerrar a fase de instrução do processo, o ministro Alexandre de Moraes decidiu manter a tramitação da ação penal sobre a tentativa de golpe mesmo durante o recesso do Supremo Tribunal Federal (STF), que vai de 2 a 31 de julho. A medida foi possível porque há um réu preso no processo — o general Walter Braga Netto — o que, de acordo com o regimento interno da Corte e o Código de Processo Penal, permite a continuidade dos prazos. Com isso, o julgamento de Bolsonaro e dos demais réus do núcleo 1 no STF, que inicialmente poderia ocorrer apenas em outubro, pode ser realizado já em setembro. O general Braga Netto está detido desde 14 de dezembro de 2024, na Vila Militar, no Rio de Janeiro.
Na última terça-feira (1º), a defesa de Braga Netto solicitou ao STF a concessão de prazo em dobro para a apresentação das alegações finais. Os advogados argumentaram que o caso possui enorme extensão e complexidade, além de ressaltar que não há risco de prescrição. Moraes, no entanto, indeferiu o pedido e manteve o prazo regular. Na decisão, o ministro reforçou que os prazos não seriam suspensos durante o recesso exatamente pelo fato de haver um réu preso.
“Escárnio processual”: defesas devem questionar uso da “minuta do golpe” como prova no STF
Outro ponto sensível no processo é a chamada “minuta do golpe”. A peça foi alvo de uma série de questionamentos durante os interrogatórios de réus e testemunhas.
O documento, citado pela acusação e contestado pelos réus, jamais foi formalmente incluído no processo. A afirmação é do advogado e professor de Direito Constitucional Fabio Tavares Sobreira. Para ele, há um motivo óbvio para que a peça não tenha sido juntada ao processo.
“Se [a minuta de golpe] tivesse sido [incluída no processo], qualquer jurista sério veria que se trata de um mero rascunho de decreto de estado de defesa, jamais assinado ou publicado e absolutamente incapaz de produzir qualquer efeito jurídico”, afirma Sobreira. Para o advogado, usar esse esboço como prova seria “um escárnio que compromete a credibilidade do processo penal”.
A suposta minuta do golpe é mencionada em diferentes partes do processo e é tida como uma das peças fundamentais para as acusações. Um dos réus na ação, o ex-ministro Anderson Torres foi apontado como responsável pelo assessoramento de Bolsonaro na formulação da suposta minuta. A defesa de Torres, no entanto, afirma que uma minuta idêntica à que foi encontrada na casa do réu estaria disponível na internet, por meio de uma “simples busca no site Google”.
O delator Mauro Cid também apontou que Bolsonaro teria feito alterações no documento, o que comprovaria a ciência do ex-mandatário sobre a suposta tentativa de golpe que estaria em andamento. Em seu interrogatório no STF, Bolsonaro, no entanto, refutou a elaboração de qualquer “minuta do golpe” além de destacar que golpe de Estado “é uma coisa abominável”.
O papel da delação de Mauro Cid é controverso
A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid ocupa posição central na acusação, mas é alvo de críticas. Para Fábio Tavares Sobreira, trata-se de uma colaboração “contraditória, vacilante e marcada por alterações oportunistas, sem qualquer prova independente que a corrobore”.
Advogados de defesa dos réus argumentam que Cid prestou mais de dez depoimentos com versões que trazem contradições, as quais foram evidenciadas novamente antes do fim do processo de instrução, durante as acareações. Cid teria entrado em contradição ao tentar explicar como teria recebido um pacote com R$ 100 mil em dinheiro de Braga Netto. As defesas têm contestado a delação de Cid ao longo do processo, pedindo a sua anulação reiteradas vezes. Moraes, no entanto, negou ou ignorou os pedidos.
Além disso, a defesa de Bolsonaro também afirma que o delator teria mentido durante o seu interrogatório ao afirmar que não teria usado uma conta na rede social Instagram para se comunicar com advogados dos demais réus no processo. Além de apresentar as provas fornecidas pela Meta, que indicam que o e-mail utilizado na conta era associado a Cid, os defensores apontaram que o número de recuperação vinculado ao e-mail é o mesmo número de telefone do celular apreendido do ex-ajudante de ordens em 2023.
Para o advogado criminalista Anderson Flexa, a colaboração premiada firmada por Mauro Cid tem sido usada como “verdadeiro alicerce da acusação”. No entanto, o advogado aponta uma série de problemas. “[A colaboração premiada] está juridicamente contaminada por vícios insanáveis, decorrentes de sucessivas contradições, retratações públicas e descumprimento das cláusulas pactuadas, como o uso não autorizado de redes sociais e declarações extrajudiciais frontalmente incompatíveis com os termos acordados”, afirma Flexa.
Segundo o criminalista, isso impõe o reconhecimento de nulidade absoluta e a exclusão de todos os elementos dela decorrentes, sob pena de afronta ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal.
Matheus Herren também identifica aí uma das principais teses da defesa: explorar as contradições da colaboração de Mauro Cid. “Focar nessas inconsistências conduz à tese de absolvição por falta de provas, já que a delação sem respaldo probatório não pode fundamentar condenação”, afirma.
Embora a anulação da delação já tenha sido negada por Moraes durante o processo, a advogada especialista em Direito Constitucional Vera Chemim aponta para a “forte possibilidade” de decretação da nulidade de todo o processo. Para ela, o conteúdo da colaboração premiada apresenta inúmeras versões, o que pode levar à conclusão de que o colaborador foi pressionado por autoridades.
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