Derrota de Lula no Congresso indica fim conturbado do mandato
Últimas atualizações em 27/06/2025 – 12:51 Por Gazeta do Povo | Feed
A grave derrota política sofrida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso – com a derrubada, na noite de quarta-feira (24), do decreto do governo que eleva o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) – aponta para um desgastante ano e meio que ainda resta ao seu terceiro mandato.
A rotina de embates do governo com o Legislativo e sua evidente dificuldade de articulação remetem a cenários pré-impeachment, embora analistas, aliados e opositores concordem que não há real risco de afastamento de Lula, em razão de conveniência eleitoral e limitações óbvias do calendário – não haveria tempo suficiente antes das eleições para realizar o processo de impeachment.
Segundo especialistas, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de líderes de partidos de centro-direita e direita, que controlam as maiorias das duas Casas, deram um aviso definitivo ao governo com a rara aprovação de um decreto legislativo.
O placar da votação – 383 votos a favor na Câmara e aprovação por voto simbólico dos líderes no Senado –, o agendamento inesperado do tema, sem chance de reação do governo, e a combinação entre comandos das Casas e oposição insinuam um risco de ruptura entre o Legislativo e o Executivo.
O último presidente a ter um decreto revogado pela Câmara foi Fernando Collor de Mello, em 1992. Mas o dado mais preocupante para Lula que emergiu da votação histórica é o governo ter atingido, no episódio, o patamar incômodo de apenas 98 votos a seu favor no plenário de 513 deputados.
Para Juan Carlos Arruda, diretor do think tank Ranking dos Políticos, a derrota expôs a inexistência de base parlamentar do governo e a ineficácia de seu modelo de articulação com um Congresso cada vez mais autônomo e assertivo. “O Palácio do Planalto perdeu a capacidade de liderar a própria agenda”, disse.
Após irritar Congresso com acusações, Haddad sugere levar impasse ao STF
Leonardo Barreto, da Think Policy, avalia que a esmagadora votação de 4/5 dos deputados foi o recado claro do Congresso de que deseja ser respeitado como parceiro pelo Palácio do Planalto. “Mas, diante do desespero fiscal, o governo decide tratar o Legislativo como um inimigo na próxima eleição”.
Segundo Barreto, sem Bolsonaro nas urnas, o governo testa nova narrativa: pintar o Congresso de vilão que defende ricos e ataca pobres, isentando Lula de culpa pela má gestão. “Embora possa animar a esquerda, a estratégia populista é arriscada, afasta aliados e remete à velha imagem de radical”.
Para impedir o colapso fiscal, o governo pode buscar receitas extras ou cortar R$ 12 bilhões do Orçamento, além de R$ 30 bilhões já cortados. Mas o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, já adiantaram que iam pedir STF para anular um ato “flagrantemente inconstitucional” do Legislativo.
Nesta sexta-feira, a Advocacia-Geral da União afirmou ter iniciado uma avaliação técnica para reverter no Judiciário a decisão do Congresso. A pasta de Haddad está fornecendo argumentos para os advogados iniciarem um processo.
Haddad disse ter sido surpreendido pelo Projeto de Decreto Legislativo, pois acreditava ter feito um “baita acordo” após reunião em 9 de junho com líderes do Congresso. Ele destacou que, embora juristas defendam a judicialização e alguns governistas temam que ela piore a relação com o Congresso, a decisão final caberá a Lula.
O clima hostil com o Legislativo já vinha sendo alimentado por Haddad. Em entrevista recente ao jornal O Globo, ele afirmou que medidas para elevar a receita miram o “andar de cima” e que o Congresso é “quem dá a última palavra a respeito de tudo”. O tom seguiu após a derrubada da alta do IOF.
Nessa toada, o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), fez uma crítica forte à chance de Lula recorrer ao STF para anular o PDL. “Além de ignorar a vontade do Congresso, o governo tenta converter fracasso político em questão judicial, um movimento perigoso, que nega a democracia”.
Em crise com Congresso, governo tem STF como único ponto de sustentação
O cientista político Ismael Almeida sublinha que o STF se tornou o principal sustentáculo do governo diante dos desentendimentos com o Congresso. “A impositividade das emendas parlamentares já vinha esvaziando o poder de barganha do Executivo, o levando a buscar apoio no Judiciário”, explica.
A parceria entre Executivo e STF, embora útil em certos momentos, acabou acentuando o desgaste de Lula com o Legislativo. “O uso recorrente do STF, com especial protagonismo do ministro Flávio Dino, descambou para atos de revolta”, diz Almeida. Apesar disso, ele descarta cenários de impeachment.
O especialista explica que a oposição prefere explorar o desgaste gradual da imagem do governo até o seu fim. No Centrão, por sua vez, há a estratégia de acumular vitórias legislativas para forçar Lula a ceder, reconhecendo que, apesar das dificuldades, o presidente ainda é um nome competitivo para 2026.
Para Almeida, a derrubada do decreto do IOF escancarou ainda a resistência do Congresso a novos aumentos de impostos sem respaldo popular ou eficácia econômica comprovada. “O episódio elevou a cobrança por ajustes que não onerem o contribuinte, com o efetivo corte de despesas”, diz.
Partidos aliados puxam votos contra o governo e expõem momento ruim
A derrubada do decreto que aumentava o IOF, aprovada com apoio de mais de 60% dos votos dos partidos do centrão com ministérios no governo, como MDB e PSD, representou um duro revés político e fiscal para o Planalto. A medida previa arrecadação de R$ 10 bilhões em 2024 e o dobro em 2025.
Apesar da tentativa de articulação da ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), a insatisfação parlamentar aflorou, tendo múltiplas causas: lentidão na liberação de emendas, críticas de Haddad ao Legislativo e resistência generalizada ao uso recorrente de medidas arrecadatórias.
Diante do impasse com o decreto do IOF, o governo editou medida provisória (MP) com novas compensações, incluindo a taxação de 5% em aplicações isentas como LCIs e LCAs — ponto de forte resistência no Congresso. A MP valerá por 120 dias, salvo se for devolvida por Alcolumbre.
No dia da aprovação do PDL, Alcolumbre repudiou a acusação de que o Congresso encareceu tarifas de energia após derrubar vetos de Lula na sua última sessão. Ele negou aumento tarifário, mas medidas técnicas para o futuro do setor elétrico, criticando “narrativas manipuladas” sobre o tema.
Alcolumbre ainda enfatizou que o Congresso vem colaborando com Lula em sua terceira gestão desde 2022, lembrando a aprovação da PEC da Transição antes mesmo da posse. Mas também comentou que a “derrota para o governo foi construída a várias mãos”, com atuação conjunta de líderes da Câmara e do Senado.
Contra as críticas do governo, Motta reafirmou que, na última reunião de líderes, prometeu levar a derrubada do decreto ao plenário, priorizando o “sentimento da Câmara” apesar de resistências. A pauta está na “estratégia para 2026”, mirando urnas e sua reeleição para o cargo no início de 2027.
Silêncio de Lula pela lei que celebra amizade de Brasil e Israel gera mal-estar
No mesmo dia em que o Congresso impôs ao governo derrota histórica com a aprovação do PDL contra um ato do Executivo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), promulgou a lei que cria o Dia da Amizade Brasil–Israel, após Lula não se manifestar sobre o projeto no prazo legal.
Aprovada pelo Congresso em maio, a medida proposta ainda em 2013 celebra 12 de abril, a data da instalação da primeira embaixada brasileira em Israel. Ela foi enaltecida por Alcolumbre – primeiro presidente judeu do Congresso –, como um gesto de fraternidade, cooperação e solidariedade.
O desprezo de Lula pela iniciativa de amplo respaldo, sobretudo da bancada evangélica, gerou mal-estar entre parlamentares e reacendeu a crítica sobre o alinhamento político do presidente com grupos e países hostis a Israel, além de declarações polêmicas sobre atuais conflitos no Oriente Médio.
Negativa de translado de jovem brasileira morta na Indonésia gera desgaste a Lula
Já com popularidade em queda, Lula foi alvo nos últimos dias de uma onda de críticas nas redes sociais após o governo informar que não faria translado da brasileira Juliana Marins, morta na Indonésia. Em resposta, o ex-jogador Alexandre Pato e a Prefeitura de Niterói (RJ) prometeram pagar pelo serviço.
Diante do apoio oferecido, o presidente mandou o Ministério das Relações Exteriores garantir assistência à família da jovem, incluindo trazer seu corpo ao país. Na quinta-feira (26), Lula telefonou ao pai dela, Manuel, e anunciou publicamente sua decisão. Um dia antes, o Itamaraty disse ser impossível.
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