Ato com Bolsonaro na Paulista visa desgastar tese do golpe
Últimas atualizações em 26/06/2025 – 12:13 Por Gazeta do Povo | Feed
Com o slogan “Justiça Já”, o protesto convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o próximo domingo (29), na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), às 14 horas, tem como principal objetivo enfraquecer a narrativa de tentativa de golpe de Estado. A estratégia mira os recentes questionamentos sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República no governo Bolsonaro, peça central nos inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro vem intensificando a convocação nos últimos dias pelas redes sociais. No dia 21 ele disse por meio de um vídeo na rede social X: “O Brasil precisa de todos nós. É por liberdade, por Justiça”. A mensagem, com tom eleitoral, foi acompanhada de críticas à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), destacando dados negativos, tais como inflação, especialmente a alta dos alimentos e cortes na saúde. O vídeo foi embalado pela música “Volta, capitão”, que pede o retorno de Bolsonaro ao poder. Por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro está inelegível até 2030.
Segundo o cientista político Adriano Cerqueira, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o ato ocorre em meio à crescente pressão internacional contra o ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF. “Bolsonaro busca manter sua base mobilizada em torno da pauta da anistia e da fragilização da delação de Cid, cada vez mais controversa. A estratégia é destacar o caráter político do julgamento”, avalia.
Mas, para o analista político Luiz Filipe Freitas, do escritório Malta Advogados, o ato de domingo deve ter mais impacto político do que jurídico. “A presença de Bolsonaro no centro da manifestação é parte de uma tentativa de reconstrução simbólica. Ao se apresentar como vítima de conspiração, ele reorganiza sua base e projeta alianças, como com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), de olho em 2026”, afirma.
Segundo o analista, a reação de Bolsonaro à delação de Cid marca um novo ciclo de enfrentamento político, agora em campo aberto.
Manifestação do domingo marca nova fase de articulação da direita para 2026
A manifestação tem organização do pastor Silas Malafaia, que classifica o processo contra Bolsonaro como “injustiça”. Segundo ele, o protesto é a reação à iminente condenação do ex-presidente, que, segundo os próprios ministros do STF, tende a ser decidida neste ano. Trata-se da continuidade das mobilizações por anistia aos réus do 8 de janeiro, como as já realizadas em Brasília, no Rio de Janeiro, e na própria Paulista nos últimos meses.
O evento também marca uma nova fase da articulação da direita para as eleições de 2026, apresentando Bolsonaro como vítima de perseguição judicial e reforçando sua liderança simbólica no campo conservador. A ideia é criar um ambiente de pressão popular antes da etapa decisiva do julgamento no STF.
Em suas redes sociais, Malafaia publicou: “Até quando o Supremo Tribunal vai bancar o ditador Alexandre de Moraes? O inquérito do golpe é uma farsa.” Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) reforçou a convocação: “A luta continua. Por democracia, por liberdade, por justiça. Compareça!”. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) também impulsionou o assunto ao publicar a contagem regressiva para o ato.
A mobilização para o dia 29 sofreu atrasos devido ao feriado de Corpus Christi e a compromissos internacionais de parlamentares. A expectativa, no entanto, é de intensificação nos próximos dias.
Na terça-feira (24), Malafaia divulgou um vídeo nas redes sociais em que pastores evangélicos fazem a convocação para o evento do próximo domingo (29) e afirmam que não se pode “apoiar a injustiça”. Religiosos como Claudio Duarte, Estevam Hernandes, e Samuel Câmara, entre outros, aparecem no vídeo.
Ato com Bolsonaro ocorre no momento que validade da delação de Cid é contestada pela oposição
O protesto ocorre no exato momento em que novos vazamentos colocam em xeque a delação de Mauro Cid. Em mensagens atribuídas a ele, enviadas por meio de perfil falso, o ex-ajudante de ordens nega ter incriminado Bolsonaro e acusa a Polícia Federal de distorcer suas falas. Cid também insinua que Moraes estaria conduzindo os inquéritos movido por motivação pessoal.
Esses vazamentos desencadearam reação nas defesas de outros investigados, que passaram a questionar a validade da delação — firmada com o STF e homologada por Moraes. Os advogados de Bolsonaro e de aliados, como os generais Walter Souza Braga Netto e Augusto Heleno Ribeiro Pereira, além do ex-ministro Anderson Torres, alegam quebra das cláusulas de sigilo, veracidade e compromisso legal com os fatos.
Moraes optou por preservar o acordo, mas determinou acareações e coleta adicional de provas. O entendimento da Corte, com base em jurisprudência consolidada, é que, mesmo se anulada a delação, provas obtidas de forma autônoma podem ser mantidas.
Na terça-feira (24), após a acareação entre Cid e Braga Netto, o advogado do general e ex-candidato a vice-presidente afirmou que o tenente-coronel teria entrado em contradição durante a confrontação de versões sobre o caso. De acordo com o defensor José Luis Oliveira Lima, isso teria ocorrido quando Cid tentou explicar como teria recebido um pacote com R$ 100 mil em dinheiro de Braga Netto. O advogado afirmou que vai fazer novo pedido de anulação da delação de Cid. A sessão de acareação foi realizada a portas fechadas e não foi transmitida ao público.
Além disso, Moraes determinou, em 18 de junho, a prisão do coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, por suspeita de obstrução de Justiça. A decisão se baseou em contatos entre o advogado de Câmara, Eduardo Kuntz, e o delator Mauro Cid. Kuntz era o interlocutor de Cid nas conversas por um perfil falso do Instagram.
Moraes também abriu inquérito contra Câmara e Kuntz e ordenou que os três prestem depoimento à PF. Kuntz protocolou no STF as gravações de conversas com Cid e pediu a anulação da delação.
A eventual invalidação da colaboração de Cid atingiria um dos pilares da acusação. Mas, mesmo com esse revés, o julgamento do chamado “núcleo comandante” da suposta tentativa de golpe continua, ainda que com fundamentos fragilizados.
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