Eleição 2026 vira palco de guerra digital

Como a polarização nacional contamina o debate local

Últimas atualizações em 24/06/2025 – 13:29 Por Redação GNI

A pouco mais de um ano das eleições municipais de 2026, o que era para ser uma disputa centrada em temas locais — como transporte, saneamento e segurança de bairro — começa a se transformar em mais um palco da polarização nacional. Em dezenas de cidades, o debate eleitoral vem sendo contaminado por narrativas ideológicas extremadas, desinformação e a antecipação de uma guerra digital entre grupos políticos.

O fenômeno, embora já observado nas eleições presidenciais de 2018 e 2022, ganha agora nova roupagem e atinge um plano mais abrangente, o que preocupa especialistas.

“Estamos vendo uma ‘nacionalização do discurso’ em nível local. Tem candidato usando o termo ‘comunismo e extremismo’ para falar de plano de mobilidade urbana”, diz a cientista política Carolina Ramos, professora da UFRJ e pesquisadora do Observatório de Política Digital.

Segundo um levantamento da FGV Comunicação, mais de 38% das postagens em grupos regionais do Facebook e WhatsApp — monitoradas em 25 municípios médios durante o mês de maio — continham desinformação, exageros ideológicos ou notícias falsas recicladas das últimas eleições federais.

Frases como “se esse partido vencer, vão implantar ideologia de gênero nas escolas municipais” ou “o outro lado vai acabar com a liberdade religiosa” aparecem com frequência, mesmo sem base factual ou relação com as atribuições de um vereador ou prefeito.

“O eleitor está sendo bombardeado por conteúdos sensacionalistas que não dialogam com a realidade da cidade”, explica Ramos. “Isso compromete a escolha consciente do voto e torna o debate mais raso e hostil.”

A retórica do “nós contra eles”

O impacto da polarização é sentido na prática. Em Campinas (SP), uma pré-candidata a prefeita, tem usado seus perfis nas redes para acusar adversários de estarem ligados à “esquerda globalista”. Em resposta, um deputado estadual do PT, possível nome para a disputa, tem chamado os apoiadores da rival de “milicianos digitais” e diz que a cidade “não vai virar curral de bolsonaristas”.

Situação semelhante ocorre em Recife, onde páginas anônimas no Instagram têm promovido ataques coordenados contra pré-candidatos, com uso de memes descontextualizados e vídeos editados.

A Justiça Eleitoral já se movimenta. O TSE firmou novos acordos com plataformas como YouTube, TikTok e Meta para coibir impulsionamentos ilegais e uso de inteligência artificial para deepfakes, mas o controle ainda é considerado frágil.

“O problema é que o foco ainda está muito na capital federal. As cidades menores acabam à mercê de redes locais que sabem operar o sistema e burlar a fiscalização”, afirma Gabriela Sampaio, advogada especialista em direito eleitoral digital.

Ela lembra que, embora o impulsionamento pago só seja permitido no período oficial de campanha, muitos pré-candidatos já estão investindo em conteúdo “orgânico impulsionado” com linguagem populista e polarizada.

Enquanto isso, pautas como enchentes, saúde básica, transporte coletivo precário, iluminação pública e desemprego juvenil pouco aparecem nas timelines eleitorais. “O candidato que fala sobre esses temas com profundidade parece chato. O que viraliza é o que grita mais alto”, resume Ramos.

As próximas eleições tendem ser a mais digitalizada da história brasileira — e também a mais contaminada pela lógica da polarização nacional.

A depender do ritmo atual, os próximos meses serão decisivos não apenas para a definição de nomes, mas para o tipo de política que as cidades vão absorver: aquela baseada em soluções concretas ou aquela moldada por algoritmos e narrativas distorcidas.

Redação GNI

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