Deputado quer investigar se navios do Irã levaram urânio do Brasil
Últimas atualizações em 24/06/2025 – 12:04 Por Gazeta do Povo | Feed
O deputado federal Adilson Barroso (PL-SP) protocolou nesta segunda-feira (23) um requerimento que busca criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar se navios iranianos obtiveram urânio brasileiro durante sua passagem pelo país em 2023. Para ser instaurada, a proposta precisa contar com 171 assinaturas.
O pedido segue na esteira da guerra entre Irã e Israel. No último dia 12 de junho, o país comandado por Benjamin Netanyahu realizou ataques a instalações nucleares iranianas sob o argumento de que o país vizinho tinha urânio enriquecido suficiente para construir várias bombas nucleares em poucos dias.
O pedido de CPI assinado por Barroso rememora o episódio em que dois navios militares iranianos atracaram no Brasil entre os dias 26 de fevereiro e 4 de março de 2023, no Rio de Janeiro. Na época, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi criticado pela medida.
Não constam no pedido indícios concretos de que uma transferência de urânio do Brasil para o Irã tenha ocorrido. O requerimento se baseia na visita dos navios e na intenção de não deixar dúvidas sobre o assunto. Isso porque informações não confirmadas sobre a alegada transferência circularam por redes sociais recentemente. O governo brasileiro nega ter entregue urânio brasileiro ao Irã.
“A combinação da presença destes navios altamente militarizados, a precariedade de controle na autorização e o histórico de abastecimento e retirada de cargas estratégicas pelos mesmos agentes levantam a suspeita fundamentada de que poderiam estar envolvidos no transporte de material nuclear (como urânio) em rotas informais ou clandestinas”, disse o parlamentar ao justificar o pedido de CPI.
Até a publicação dessa reportagem, a assessoria do deputado não havia informado quantas assinaturas havia obtido para o pedido de abertura da CPI. Mesmo que tenha as assinaturas necessárias, a comissão pode enfrentar dificuldades de ser pautada porque a Câmara já tem mais pedidos de CPI do que consegue realizar. O número máximo é de cinco simultâneas.
Sumiço de cápsulas de urânio alimentou suspeita sobre ação iraniana
A suspeita de um possível envolvimento do governo brasileiro com o programa nuclear iraniano ocorreu porque, meses após a visita dos navios, foi divulgada a informação de que ampolas com amostras de urânio (UF6) haviam sido extraviadas na Fábrica de Combustível Nuclear, em Resende (RJ). Ela é usada para enriquecer o urânio que alimenta as usinas nucleares brasileira em Angra dos Reis (RJ).
Apesar do argumento do parlamentar para o pedido de CPI, ainda não há evidências de ligação entre a presença dos navios e o sumiço do material nuclear.
As ampolas são do tipo P10, que servem como amostras de urânio em estado gasoso que são usadas em processos de verificação de segurança nas usinas de Angra 1 e 2. Um lote dessas ampolas estava sendo movido entre áreas de armazenamento quando duas delas não foram localizadas após a contagem de rotina conduzida por um inspetor da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Após a primeira verificação, uma segunda contagem foi realizada para confirmar a ausência das ampolas. Com a confirmação do extravio, a INB notificou oficialmente a CNEN e iniciou buscas internas nas áreas supervisionadas, escritórios e no trajeto percorrido durante a transferência. Uma terceira contagem foi feita e, novamente, foi confirmado o desaparecimento do material. O governo não deu mais explicações sobre onde foi parar o material nuclear.
O que diz o governo brasileiro sobre o sumiço das ampolas
Em nota publicada nesta segunda-feira, o governo brasileiro afirmou que as ampolas extraviadas não possuem potencial bélico, o que impediria seu uso no conflito do Oriente Médio, no discurso das autoridades brasileiras.
De acordo com o comunicado oficial, as amostras continham quantidades muito pequenas de urânio enriquecido (8 gramas por ampola), com teor de enriquecimento de 4,25%, o que está muito abaixo do necessário para qualquer aplicação armamentista — que exige enriquecimento superior a 90%.
Além disso, o governo destacou que o material era destinado exclusivamente a fins civis, como parte do processo de controle de qualidade do combustível nuclear utilizado nas usinas de Angra.
O Irã possuía centrífugas para enriquecimento de urânio. O programa nuclear do país conseguia enriquecer material similar até níveis superiores a 80%, segundo relatórios da Agência Internacional de Energia Atômica, antes dos bombardeios do último fim de semana.
EUA disseram que navios iranianos já facilitaram comércio ilícito e atividades terroristas
Em 15 de fevereiro de 2023, a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Elizabeth Bagley, disse que os Estados Unidos acompanhavam com preocupação o movimento dos navios iranianos. Ela afirmou que, embora o Brasil tenha soberania para decidir, nenhum país deveria autorizar a ancoragem das embarcações.
“Esses navios, no passado, facilitaram o comércio ilícito e atividades terroristas e já tiveram sanções da ONU [Organização das Nações Unidas]. O Brasil é um país soberano, mas acreditamos fortemente que esses navios não deveriam atracar em qualquer lugar”, disse a embaixadora a jornalistas em Brasília à época.
Sobre essa situação, o deputado Adilson Barroso argumenta no pedido de CPI que é preciso verificar se houve omissão por parte da Marinha do Brasil ou conivência dos órgãos públicos na fiscalização das embarcações iranianas.
“A hipótese de que materiais nucleares sensíveis, como urânio ou componentes relacionados, tenham sido exportados ou movimentados de maneira irregular precisa ser examinada à luz da legislação nacional e dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP)”, afirmou o parlamentar.
Visita de navios iranianos reflete escolha diplomática do Brasil
A visita de navios iranianos ao Brasil em 2023, agora alvo de um pedido de CPI, não ocorreu de forma isolada. Ela se insere em uma política externa mais ampla adotada pelo governo Lula, marcada pela reaproximação com países do Sul Global e por uma retórica crítica às potências ocidentais.
Esse reposicionamento internacional, embora visto por aliados como um esforço de reconstrução da imagem brasileira no cenário multilateral, tem levantado preocupações entre diplomatas e analistas. Mensagens diplomáticas dos Estados Unidos revelaram que já em 2005 o governo Lula tentava atrapalhar iniciativas americanas em fóruns internacionais para condenar a proliferação nuclear no Irã e emitir mandatos de prisão contra iranianos suspeitos de terrorismo.
Além disso, em diferentes momentos, Lula elogiou o regime iraniano e defendeu o direito do país ao uso pacífico da energia nuclear, ainda que isso tenha gerado atritos com aliados tradicionais e levantado suspeitas sobre o grau de alinhamento entre Brasília e Teerã.
Para o especialista em política externa do Oriente Médio pela Universidade de Jerusalém, Alexandre Ostrowiecki, o governo brasileiro adota no Oriente Médio uma política marcada por grave incoerência moral.
“O governo que se diz defensor dos direitos humanos, mas permanece em silêncio diante de um Irã que bombardeia cidades israelenses, reprime brutalmente suas próprias cidadãs e executa homossexuais, enquanto estende tapete vermelho a representantes do Hamas e Hezbollah”, aponta.
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