segunda-feira, 2 de junho de 2025 - 18:16

Por que Irlanda tem uma terra mítica com o nome do nosso país

Ela foi uma entre uma série de ilhas lendárias que apareceram em mapas quando os europeus começaram a explorar o Atlântico.

Por mais de 500 anos, quando o conhecimento sobre a geografia do planeta ainda engatinhava, chegou a ser comum em mapas da Europa a presença de uma ilha misteriosa próxima à costa da Irlanda que, depois se descobriria, nunca existiu de fato.

Navegadores europeus que se lançaram ao Atlântico antes e depois da chegada às Américas vasculharam o oceano à sua procura, na esperança de encontrar nela um paraíso terrestre. A crença vinha do folclore celta, que descreveu o lugar como um destino de saúde e alegria abundantes, onde a juventude era eterna.

A ilha se chamava Brasil.

Ela apareceu pela primeira vez na cartografia em um mapa-múndi medieval confeccionado por volta de 1280. A partir daí, voltou a ser retratada em pelo menos outros 121 mapas, até 1873, conforme a pesquisa feita pelo jornalista Geraldo Cantarino, autor de Uma Ilha Chamada Brasil: o Paraíso Irlandês no Passado Brasileiro.

Segundo ele, a história contada na tradição celta era de que a ilha, sempre coberta por um intenso nevoeiro, raramente estava visível aos navegantes. Uma vez a cada sete anos, mais especificamente.

“Mas ninguém conseguia chegar até ela. Era uma visão. A ilha aparecia na superfície e sumia. Essa era a história de Hy Brasil”, ele completa, usando o outro nome pelo qual a ilha foi conhecida.

Perto de Satanazes e de Antilia

Ela foi uma entre uma série de ilhas lendárias que apareceram em mapas quando os europeus começaram a explorar o Atlântico.

Antes da chegada às Américas, quando a Europa não sabia exatamente o que havia do outro lado, esse oceano era um lugar meio misterioso, no qual muitos navegadores se lançavam e poucos voltavam — razão pela qual chegou a ser apelidado de “mar tenebroso”.

Os que sobreviviam retornavam muitas vezes contando histórias de criaturas fantásticas e lugares míticos, que muitas vezes acabavam retratados pelos cartógrafos, o que explica a presença de sereias e monstros marinhos em mapas da época.

Alguns dos que retratam a ilha Brasil incluem outros desses lugares míticos. Em uma carta náutica de 1424 de Zuane Pizzigano, por exemplo, ela está a norte de Satanazes, esta possivelmente inspirada em lendas da mitologia nórdica, e de Antilia, que vai dali para a frente aparecer em mapas por um século e meio, mas não corresponde a nenhum arquipélago conhecido.

Pau-brasil ou ilha Brasil?

A história milenar do mito e suas diferentes manifestações — especialmente a apropriação pelo cristianismo, com a versão da lenda de São Brandão, e sua reprodução em centenas de mapas — levaram alguns autores a argumentar que a ilha também teria influenciado o batismo do país que hoje compartilha o nome com ela — o Brasil, no caso.

“Na área de estudos irlandeses, é muito comum se discutir essa hipótese”, diz Mariana Bolfarine, professora do curso de Letras-Língua e Literaturas de Língua Inglesa da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR).

No doutorado em estudos linguísticos, ela se debruçou sobre o personagem que foi uma das vozes mais ativas entre os que argumentaram que o Brasil devia seu nome à mitologia celta: Roger Casement, um diplomata britânico que no início do século 20 foi cônsul em Santos (SP), em Belém (PA) e no Rio de Janeiro.

Na capital paraense, ele chegou a apresentar um artigo que intitulou Irish Origins of Brazil, em que defendia que, “por mais estranho que possa parecer, o Brasil deve o seu nome não à abundância de um certo pau-de-tinta, mas à Irlanda”.

“A distinção em nomear o grande país da América do Sul, eu acredito, pertence seguramente à Irlanda e a uma antiga crença irlandesa tão remota como a própria mente celta”, ele escreveu.

Casement argumentava que o nome Brasil habitou o imaginário dos europeus séculos antes da colonização das Américas, que continuava vivo na época em que eles se lançaram ao Atlântico, como mostram os mapas da época, e que histórias como a de São Brandão haviam inclusive inspirado muitas viagens marítimas.

“Pelo próprio tráfego dos comerciantes marítimos de Portugal e Espanha, o nome da ilha também teria chegado lá [na Península Ibérica] e eventualmente no Brasil”, conta Bolfarine.

Na visão do diplomata, o apagamento da relação entre a Irlanda e o nome do Brasil teria acontecido por conta do desprezo cultural que acadêmicos ingleses sentiam em relação ao país.

“Para eles, a Irlanda era um nome associado a uma terra assolada em pobreza e ignorância — a roça da Europa, uma vergonha na visão da Inglaterra e com um povo sem nada a oferecer aos acadêmicos”, diz no texto.

A ilha Brasil chegou a ser mencionada por historiadores brasileiros como Capistrano de Abreu e Laura de Mello e Souza, diz o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Renato de Mattos, “sempre na perspectiva de que essa era uma imagem medieval que persistia na mentalidade” dos primeiros europeus que chegaram à América e poderia ter influenciado na escolha do nome.

“A ideia é que esses homens teriam tentado decodificar o Novo Mundo a partir de parâmetros da época deles”, observa o historiador. “Esses são homens medievais”, completa.

A hipótese, contudo, não chegou a ir além de alguns autores. O que talvez explique por que maioria dos brasileiros não saiba sequer que ela existe.

Camilla Veras Mota


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