Brasileiros recebem 10 bilhões de ligações feitas por robôs por mês
Robocalls testam linhas ativas, irritam usuários e facilitam fraudes. Durante um mês, o Fantástico investigou empresas que fornecem programas para ligações automáticas.
Últimas atualizações em 28/04/2025 – 10:16 Por Redação GNI
Quem nunca recebeu uma ligação indesejada? Pode ser uma oferta de telemarketing ou até algum tipo de golpe.
📱 São as chamadas “robocalls” ou “metralhadoras”. Essas ligações automáticas são feitas por sistemas computadorizados para um grande número de pessoas e duram, no máximo, seis segundos, antes de cair.
Essas chamadas são classificadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como “ligações de curta duração”. Por mês, cerca de 20 bilhões de ligações são disparadas no Brasil. Metade delas – 10 bilhões – é realizada por robôs programados para discar.
Durante um mês, o Fantástico investigou empresas que fornecem programas para ligações automáticas. A reportagem criou um negócio fictício que precisava usar o serviço de robocalls para aumentar as vendas, e entrou em contato com diferentes empresas e sites.
‘Prova de vida’
A chamada rápida funciona como uma “prova de vida”. Se as ligações são atendidas, indicam que o dono da linha está vivo e é um cliente em potencial.
O representante de um site que vende dados pessoais – os chamados “mailings” – ofereceu uma lista de contatos à reportagem. “Teste aí a lista, você vai entender que realmente está atualizadinha”, diz ele. “É bem consistente mesmo. No mínimo, 100 mil, 150 mil registros, tranquilamente.”
A reportagem pediu uma amostra com cadastros de profissionais liberais. O representante enviou dados de quase 70 pessoas, para tentar conquistas o cliente. A lista tinha nomes, e-mails, endereços, profissões e, o mais importante, telefones.
O psicólogo Matheus Arend, de Guaíba (RS), apareceu na lista. A reportagem conseguiu falar com ele, que disse nunca ter autorizado o uso de seus dados. “Eu me sinto bastante invadido”, diz Arend.
Quando alguém recebe uma robocall, vê um número virtual, que não existe. Se a vítima tenta retornar a ligação, ouve uma gravação dizendo que o número digitado está incorreto.
Com as informações fornecidas pelos robôs, o atendente de um call center não perde tempo telefonando para números inexistentes. E, no telemarketing, tempo é dinheiro.
Um ex-funcionário de uma central de atendimento de telemarketing, que prefere não se identificar, usava o método. “O sistema filtra quais são os melhores números para ligar e passa isso para dentro da central, onde os atendentes começam a realizar os atendimentos com os clientes”, conta.
Brasileiros pararam de atender ligações
Dados recentes da Anatel mostram que as robocalls aumentaram no Brasil. Em janeiro e fevereiro deste ano foram quase 24 bilhões de ligações automáticas — o equivalente a 23 mil ligações por segundo. Um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2024.
Essa é uma operação que irrita e prejudica milhões de brasileiros todos os dias. A empresária Rosaura Brito, moradora de Santo Antônio da Patrulha (RS), se cadastrou no site “Não Me Perturbe”, da Anatel. Não adiantou. “Eu recebo de 30 a 40 chamadas por dia. Começa 8h01 da manhã”, diz ela.
Assim como muitos brasileiros, a empresária decidiu parar de atender números desconhecidos. Mas essa decisão pode gerar outro problema: e se for uma ligação importante?
O problema já atingiu até a central de transplantes da Santa Casa de Porto Alegre. “A gente já teve pacientes que perderam a oportunidade de receber um órgão porque não atenderam o telefone”, conta a enfermeira Jaqueline Bica.
Quem está em busca de emprego também precisa ficar atento. “Se nós ligamos e o profissional não atende, a gente tem que ir para o próximo”, afirma Silvana Ribeiro, gerente de recursos humanos.
Quadrilhas usam chamadas para aplicar golpes
As robocalls não usam as redes de telefonia convencionais. Tudo é via internet, com programas específicos de computador. Isso também acaba sendo usado pelo crime organizado. Quadrilhas disparam mensagens para aplicar golpes.
Existem modelos prontos na internet para a gravação e envio de áudios. Fizemos o teste em um site que utiliza inteligência artificial: criamos uma mensagem com uma voz robotizada oferecendo empréstimos e inserimos o número da produção para receber a chamada. Utilizamos a frase: “Se precisa de dinheiro extra, aperte 1 agora”. A ligação foi realizada com a mensagem que colocamos.
“E são ligações muito autênticas, parecem reais, fazendo com que as vítimas não consigam discernir que estão caindo num golpe”, diz o advogado José Milagre.
“Muitos criminosos vão pedir, vão forçar você a dizer palavras como ‘sim’ e ‘não’, porque isso pode ser gravado e utilizado contra você em outros contratos. Então jamais diga nenhuma palavra, não interaja. Bloqueie esses números“, acrescenta.
Alteração ilegal de DDD
Os contatos, que geralmente são adquiridos por empresas de telemarketing, são inseridos em um programa de computador. É a parte mais engenhosa do sistema.
A reportagem entrou em contato com uma empresa de Minas Gerais que desenvolve esses sistemas. “Ele [o sistema] vai pegar a sua lista, todos os números, e vai ligar para cada um desses números. É disparo, tá? Em massa”, explica uma funcionária.
Ela diz que o DDD de origem pode ser alterado. Por exemplo: uma empresa em São Paulo pode realizar uma ligação para o Rio Grande do Sul e, no visor de quem recebe a chamada, aparece o código 51, do estado gaúcho, e não o prefixo 11, de São Paulo.
E não é só o DDD que pode ser alterado. Os sistemas automatizados criam números aleatórios que não existem, e é por esse motivo que realizar o bloqueio das chamadas não resolverá o problema.
Mas especialistas alertam: alterar o DDD de uma ligação é ilegal. “Isso pode caracterizar fraude eletrônica com pena de até oito anos de reclusão”, afirma José Milagre, advogado especialista em crimes cibernéticos.
“É uma prática desleal e abusiva, condenada pelo Código de Defesa do Consumidor”, complementa Luã Cruz, coordenador do programa de telecomunicações do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores).
Sistema produz relatório sobre as ligações
Sem saber que estava sendo gravada, a empresa desenvolvedora de programas de ligações automáticas de Minas Gerais concordou em fazer uma simulação com a ferramenta.
Enviamos para o funcionário uma planilha com 15 números de telefone e distribuímos os aparelhos para jornalistas da RBS TV, em Porto Alegre. Convidamos o diretor-executivo do Procon de Porto Alegre, Wambert Di Lorenzo, para participar da experiência.
Em menos de dez minutos, todos os 15 telefones tocaram — inclusive o do diretor do Procon. A simulação produziu um relatório detalhado com a duração de cada chamada.
“Nós vamos abrir investigação no Procon para identificar esse fornecedor. Esse prestador de serviço comete um crime também, então vamos oficiar a Polícia Civil para que a gente possa tomar as medidas necessárias”, afirma Di Lorenzo.
O advogado José Milagre diz que alguns dos crimes que podem ser listados nessas práticas são falsidade ideológica, fraude eletrônica, crime contra as telecomunicações, associação criminosa e, dependendo do caso, lavagem de dinheiro.
O que diz a Anatel
A Anatel diz que segue trabalhando para ampliar o combate às ligações abusivas. “Desde junho de 2022 até março deste ano, nós já reduzimos 222 bilhões de chamadas circulando nas redes de telecomunicações”, afirma Cristiana Camarate, superintendente de relações com consumidores da agência.
Ela acrescentou que uma nova medida, chamada “origem verificada”, também está sendo implementada. “Quando o seu celular tocar, vai aparecer o nome e a logo da empresa e o motivo pelo qual ela está te ligando. Então, se o consumidor quiser atender naquele momento, ele pode atender com tranquilidade. Não será uma fraude”, explica.
Em nota, a Associação Brasileira de Telesserviços informou que suas associadas trabalham com informações fornecidas pelos clientes, não compram listas de dados e atuam para evitar ligações mudas ou insistentes.
FANTÁSTICO
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